20 de novembro de 2012

Fragmento #121119


Felicidade, ao invés de propriedade.
Humanismo, ao invés de materialismo.
Mais amor, por favor.



(RL)

Da Servidão Moderna


"O melhor de sua vida foge entre seus dedos, mas ele prossegue assim, pois já está acostumado a sempre obedecer. A obediência se tornou sua segunda natureza. Ele obedece sem saber por qual razão, simplesmente porque ele sabe que deve obedecer. Obedecer, produzir e consumir, eis ai o trítico que domina sua vida. Obedece-se aos pais, aos professores, aos patrões, aos proprietários, aos comerciantes, obedecem-se também as leis, as forças da ordem e a todos os tipos de poderes, pois ele não sabe fazer outra coisa. Não existe algo que lhe dê mais medo que a desobediência, já que desobedecer, aventurar, mudar, é muito arriscado. Assim como uma criança que perde de vista seus pais, o escravo moderno se sente perdido sem o poder que o criou. Então ele continua obedecendo. É o medo que nos fez escravos e que nos mantêm nesta condição. Baixamos a cabeça frente aos donos do mundo, aceitamos esta vida de humilhação e de miséria somente por medo. No entanto, dispomos da força numérica frente a esta minoria que governa. A força deles não sai de seus policiais, mas de nosso consentimento. Justificamos nossa covardia diante do enfrentamento legítimo contra as forças que nos oprime com um discurso cheio de humanismo moralizador. A rejeição da violência revolucionária está ancorada nos espíritos daqueles que se opõem ao nome dos valores que esse mesmo sistema nos ensinou. Porém, quando se trata de conservar sua hegemonia, o poder não hesita em se servir da violência."

Jean- François Brient
Fonte: Site Oficial do Filme (ptbr)

  

Fragmento #121112


Nossa geração - a que aceita tudo o que vê. E o vê. E dissimula não ver. A geração que, mais do que nunca, tem instrumentos de mensura/predição, informação e consciência sobre as causas e efeitos do sistema anti-vida, anti-humano, anti-natural, destrutivo e insustentável, e no entanto o apóia veementemente. A geração conformada, inerte, derrotada, que no máximo, se limita a resmungos nas cada vez mais ocasionais e raras salas sociais, dentro do produto da clausura solitária cotidiana do sistema. Parece que os donos do século XX conseguiram exatamente o que pretendiam - impor globalmente seu sistema nati-morto à toda uma humanidade gerada mentalmente castrada e calada dentro do mesmo, passiva e indiferente ao horror cotidiano, este banalizado ante ao espetáculo alienador perpetrado pelos donos do mundo. Um salve à toda nossa linda geração do câncer, do estresse, da violência, do horror, da hipocrisia e do silêncio.
s sociais, dentro do produto da clausura solitária cotidiana do sistema. Parece que os donos do século XX conseguiram extamente o que pretendiam - impor globalmente seu sistema nati-morto à toda uma humanidade gerada mentalmente castrada e calada dentro do mesmo, passiva e indiferente ao horror cotidiano, este banalizado ante o pão e circo perpetrado pelos donos do mundo. Bom dia à toda nossa linda geração do câncer, do estresse, da violência(RL)

18 de novembro de 2012

Capitalismo...

... e Outras Coisas de Criança.



"Capitalismo & Outras Coisas de Crianças" é um vídeo que nos convida a olhar de uma forma diferente para o mundo em que vivemos e a questionar algumas das mais básicas premissas da vida no Capitalismo.  Uma das proezas deste trabalho é apresentar em linguagem clara e sem jargões econômicos ou políticos as bases sobre as quais se assentam o Capitalismo. Tal característica chama a atenção para a capacidade deste vídeo em instruir e despertar a consciência crítica, ao demonstrar que um outro mundo é possível, ao contrário do que quer nos fazer pensar a ideologia imperialista neoliberal estadunidense.
Fonte: docsPT

  

"Mais crimes são cometidos em nome da obediência do que da desobediência. O perigo real são as pessoas que obedecem cegamente qualquer autoridade" (Banksy)

Apartheid

 

Documentário sobre a história do apartheid - segregação racial na África do Sul - do início até o seu final, com a libertação e ascensão ao poder de Nelson Mandela, líder da oposição, que havia sido condenado à prisão perpétua em 1962. Utilizando fontes de arquivo reunidas por vários anos, o documentário cobre e analisa eventos importantes da história sul africana: a guerra Boer, o estabelecimento da divisão racial e o sistema do Apartheid. A repressão da Revolução Negra, a reação internacional à liberdade de Nelson Mandela e o fim do regime.

29 de outubro de 2012

À Sombra de um Delírio Verde


Documentário sobre o secular genocídio colonizatório dos indígenas Guarani Kaiowá no MS, acentuado pela expansão do agronegócio canavieiro por via de alianças corruptas entre justiça federal e latifundiários. (RL)
 

Sinopse - Na região sul do Mato Grosso do Sul, fronteira com Paraguai, a etnia indígena com a maior população no Brasil luta silenciosamente por seu território para tentar conter o avanço de poderosos inimigos. Expulsos pelo contínuo processo de colonização, mais de 40 mil Guarani Kaiowá vivem hoje em menos de 1% de seu território original. Sobre suas terras encontram-se milhares de hectares de cana-de-açúcar plantados por multinacionais que, em acordo com governantes, apresentam o etanol para o mundo como o combustível “limpo” e ecologicamente correto. Sem terra e sem floresta, os Guarani Kaiowá convivem há anos com uma epidemia de desnutrição que atinge suas crianças. Sem alternativas de subsistência, adultos e adolescentes são explorados nos canaviais em exaustivas jornadas de trabalho. Na linha de produção do combustível limpo são constantes as autuações feitas pelo Ministério Público do Trabalho que encontram nas usinas trabalho infantil e escravo. Em meio ao delírio da febre do ouro verde (como é chamada a cana-de-açúcar), as lideranças indígenas que enfrentam o poder que se impõe muitas vezes encontram como destino a morte encomendada por fazendeiros.

Ficha técnica:
À Sombra de um Delírio Verde Documentário (The Dark Side of Green) - 2011
Direção, produção e roteiro: An Baccaert, Cristiano Navarro e Nicolas Muñoz
Narração em Português: Fabiana Cozza - Música composta por Thomas Leonhardt

http://www.thedarksideofgreen-themovie.com/

Mais informações e entrevista com o produtor Cristiano Navarro aqui .

28 de outubro de 2012

O Homem Branco


Carta escrita em 1854 pelo chefe Seattle ao presidente dos EUA, Franklin Pierce, quando este propôs comprar as terras de sua tribo, concedendo-lhe uma outra “reserva”.


Chefe Sealth, dito Seattle (1854)


O Grande Chefe de Washington nos fez parte do seu desejo de comprar a nossa terra.

O Grande Chefe nos fez parte da sua amizade e dos seus melhores sentimentos. Ele é muito generoso, pois bem sabemos que ele não precisa da nossa amizade em troca.

No entanto, nós iremos considerar a sua oferta, pois sabemos que se não vendermos, o homem branco virá com os seus fuzis e tomará a nossa terra.

Mas como é que se pode comprar ou vender o céu, o calor da terra? Essa idéia nos parece estranha.

Se não possuímos o frescor do ar e o brilho da água, como é possível comprá-los?

Cada pedaço desta terra é sagrado para meu povo. Cada ramo brilhante de um pinheiro, cada punhado de areia das praias, a penumbra na floresta densa, cada clareira e inseto a zumbir são sagrados na memória e experiência de meu povo. A seiva que percorre o corpo das árvores carrega consigo as lembranças do homem vermelho.

Os mortos do homem branco esquecem sua terra de origem quando vão caminhar entre as estrelas. Nossos mortos jamais esquecem esta bela terra, pois ela é a mãe do homem vermelho. Somos parte da terra e ela faz parte de nós. As flores perfumadas são nossas irmãs; o cervo, o cavalo, a grande águia são nossos irmãos. Os picos rochosos, os sulcos úmidos nas campinas, o calor do corpo do potro e o homem – todos pertencem à mesma família.

Portanto, quando o Grande Chefe em Washington manda dizer que deseja comprar a nossa terra, pede muito de nós. O Grande Chefe diz que nos reservará um lugar onde possamos viver satisfeitos. Ele será nosso pai e nós seremos seus filhos. Portanto, nós vamos considerar sua oferta de comprar nossa terra. Mas isso não será fácil. Esta terra é sagrada para nós.

Essa água brilhante que escorre nos riachos e rios não é apenas água, mas o sangue de nossos antepassados. Se lhes vendermos a terra, vocês devem lembrar-se de que ela é sagrada, e devem ensinar às suas crianças que ela é sagrada e que cada reflexo nas águas límpidas dos lagos fala de acontecimentos e lembranças da vida do meu povo. O murmúrio das águas é a voz do pai do meu pai.

Os rios são nossos irmãos, saciam nossa sede. Os rios carregam nossas canoas e alimentam nossas crianças. Se lhes vendermos nossa terra, vocês devem lembrar e ensinar a seus filhos que os rios são nossos irmãos, e seus também. E, portanto, vocês devem dar aos rios a bondade que dedicariam um irmão.

O homem vermelho sempre recuou diante do homem branco, como a bruma das montanhas foge diante do sol nascente. Mas as cinzas dos nossos pais são sagradas. Os seus túmulos são uma terra santa. Assim, estas colinas, estas árvores, este recanto de terra são sagrados aos nossos olhos.

Sabemos que o homem branco não compreende nossos costumes. Uma porção da terra, para ele, tem o mesmo significado que qualquer outra, pois é um forasteiro que vem à noite e extrai da terra aquilo de que necessita. A terra não é sua irmã, mas sua inimiga, e quando ele a conquista, prossegue seu caminho. Deixa para trás os túmulos de seus antepassados e não se incomoda. Rapta da terra aquilo que seria de seus filhos e não se importa. A sepultura de seu pai e os direitos de seus filhos são esquecidos. Trata sua mãe, a terra, e seu irmão, o céu, como coisas que possam ser compradas, saqueadas, vendidas como carneiros ou enfeites coloridos. Seu apetite devorará a terra, deixando somente um deserto.

Eu não sei, nossos costumes são diferentes dos seus. A visão de suas cidades fere os olhos do homem vermelho. Talvez seja porque o homem vermelho é um selvagem e não compreenda.

Não há um lugar quieto nas cidades do homem branco. Nenhum lugar onde se possa ouvir o desabrochar de folhas na primavera ou o bater das asas de um inseto. Mas talvez seja porque eu sou um selvagem e não compreenda. O ruído parece somente insultar os ouvidos.

E o que resta da vida se um homem não pode ouvir o choro solitário de uma ave ou o debate dos sapos ao redor de uma lagoa à noite? Eu sou um homem vermelho e não compreendo. O índio prefere o suave murmúrio do vento encrespando a face do lago, e o próprio vento, limpo por uma chuva diurna ou perfumado pelos pinheiros.

O ar é precioso para o homem vermelho, pois todas as coisas compartilham o mesmo sopro – o animal, a árvore, o homem, todos compartilham o mesmo sopro. Parece que o homem branco não sente o ar que respira. Como um homem agonizante há vários dias, é insensível ao mau cheiro. Mas se vendermos nossa terra ao homem branco, ele deve lembrar que o ar é precioso para nós, que o ar compartilha seu espírito com toda a vida que mantém. O vento que deu a nosso avô seu primeiro inspirar também recebe seu último suspiro. Se lhes vendermos nossa terra, vocês devem mantê-la intacta e sagrada, como um lugar onde até mesmo o homem branco possa ir saborear o vento açucarado pelas flores dos prados.

Portanto, vamos meditar sobre sua oferta de comprar nossa terra. Se decidirmos aceitar, imporei uma condição: o homem branco deve tratar os animais desta terra como seus irmãos.

Sou um selvagem e não compreendo qualquer outra forma de agir. Vi um milhar de búfalos apodrecendo na planície, abandonados pelo homem branco que os alvejou de um trem ao passar. Eu sou um selvagem e não compreendo como é que o fumegante cavalo de ferro pode ser mais importante que o búfalo, que sacrificamos somente para permanecer vivos.

O que é o homem sem os animais? Se todos os animais se fossem, o homem morreria de uma grande solidão de espírito. Pois o que ocorre com os animais, breve acontece com o homem. Há uma ligação em tudo.

Vocês devem ensinar às suas crianças que o solo a seus pés é a cinza de nossos avós.

Para que respeitem a terra, digam a seus filhos que ela foi enriquecida com as vidas de nosso povo. Ensinem às suas crianças o que ensinamos às nossas, que a terra é nossa mãe. Tudo o que acontecer à terra, acontecerá aos filhos da terra. Se os homens cospem no solo, estão cuspindo em si mesmos.

Isto sabemos: a terra não pertence ao homem. O homem pertence à terra. Isto sabemos: todas as coisas estão ligadas como o sangue que une uma família. Há uma ligação em tudo. 

O que ocorrer com a terra recairá sobre os filhos da terra. O homem não tramou o tecido da vida; ele é simplesmente um de seus fios. Tudo o que fizer ao tecido, fará a si mesmo. 

Mas nós iremos considerar a sua oferta de ir para a reserva que destinam ao meu povo.

Viveremos afastados e em paz. Que importa onde passaremos o resto dos nossos dias?

Nossas crianças viram os seus pais humilhados na derrota. Nossos guerreiros conheceram a vergonha. Depois da derrota, passam os dias em ócio e sujam seus corpos com comidas doces e bebidas fortes.

Que importa onde passaremos o resto dos nossos dias? Já não são muitos. Mais algumas horas, alguns invernos, e já não restará nenhum dos filhos das grandes tribos que viveram outrora nesta terra, ou que vagam pelos bosques, em pequenos grupos; nenhum deles estará presente para chorar sobre os túmulos de um povo outrora tão poderoso, tão cheio de esperança como o vosso. Mas porque chorar sobre o fim do meu povo? As tribos são feitas de homens, não mais. Os homens vêm e vão, como as ondas do mar. 

Mesmo o homem branco, cujo Deus caminha e fala com ele de amigo para amigo, não pode estar isento do destino comum. É possível que sejamos irmãos, apesar de tudo.

Veremos.

De uma coisa estamos certos – e o homem branco poderá vir a descobrir um dia: nosso Deus é o mesmo Deus. Vocês podem pensar que possuem como desejam possuir nossa terra. Mas não é possível. Ele é o Deus do homem, e Sua compaixão é igual para o homem vermelho e para o homem branco. A terra lhe é preciosa, e feri-la é desprezar seu criador. Os brancos também passarão; talvez mais cedo que todas as outras tribos.

Contaminem suas camas, e uma noite serão sufocados pelos próprios dejetos.

Mas quando de sua desaparição, vocês brilharão intensamente, iluminados pela força do Deus que os trouxe a esta terra e por alguma razão especial lhes deu o domínio sobre a terra e sobre o homem vermelho. Este destino é um mistério para nós, pois não compreendemos que todos os búfalos sejam exterminados, os cavalos bravios sejam todos domados, os recantos secretos da floresta densa impregnados do cheiro de muitos homens, e a visão das colinas maduras para a colheita obstruída por fios que falam.

Onde está o arvoredo? Desapareceu. Onde está a águia? Desapareceu. O que significa dizer adeus ao pônei ágil e à caça? É o final da vida e o início da sobrevivência.

Guardem na memória a recordação deste país, tal como está no momento em que o tomam. E com toda a sua força, todo o seu pensamento, todo o seu coração, preservem-no para os seus filhos, e amem-no como Deus nos ama a todos.

Assim, iremos considerar a sua oferta de comprar a nossa terra. E se aceitarmos, será para estar seguros de receber a reserva que nos prometeram. Lá, talvez, poderemos terminar as breves jornadas que nos restam a viver segundo os nossos desejos. E quando o último homem vermelho tiver desaparecido desta terra, e que a nossa lembrança não for mais do que do que a sombra de uma nuvem flutuando na planície, estas margens e estas florestas abrigarão ainda os espíritos do meu povo. Pois eles amam esta terra como o recém-nascido ama o batimento do coração da sua mãe. 

Assim, se nos lhes vendermos a nossa terra, amem-na como nós a amamos. Tomem conta dela como nos o fizemos.

Nós sabemos de uma coisa: nosso Deus é o mesmo Deus. Ele ama esta terra. O próprio homem branco não pode escapar ao destino comum. Talvez sejamos irmãos.

Veremos.


(Texto transcrito no compêndio de Joseph Ki-Zerbo, Compagnons du Soleil, Anthologie des grands textes de l’humanité, Ed. La Découverte/UNESCO, Paris, 1992; e de Mehlem Adas, Geografia da América, Ed. Moderna 1987).


Bravo Mundo Novo


Herdamos do passado
Velhos erros e ideais
Que só servem de exemplo

Pros demais que já há muito tempo
 
Bravo mundo novo
Decadente nosso cativeiro
Mas se tão jovem

Mais parece que já há muito tempo
 
 

Plebe Rude
"Nunca Fomos Tão Brasileiros" (1987)

6 de outubro de 2012

"A"


Proudhon reagiu com cautela. Externou sua disposição em participar da correspondência sugerida por Marx, mas fez uma série de objeções que já revelam as grandes diferenças que iriam afastá-lo cada vez mais do socialismo autoritário.

"Em primeiro lugar, (...) em público eu me declaro a favor de um antidogmatismo econômico quase absoluto."

"Aplaudo de todo o coração a idéia de fazer vir à luz todas as opiniões; vamos dar ao mundo o exemplo de uma tolerância esclarecida e sagaz, mas não permitamos que o simples fato de encabeçar um movimento nos torne líderes de um novo tipo de intolerância; não nos façamos passar por apóstolos de uma nova religião, mesmo que seja a religião da lógica e da razão. Vamos reunir e estimular todos os tipos de protesto, estigmatizar a exclusividade e o misticismo. Não consideremos jamais que uma questão está esgotada e, quando tivermos utilizado o nosso último argumento, recomecemos outra vez - se necessário - com eloqüência e ironia. Sob essas condições, ingressarei com prazer na sua associação. Do contrário - não!"



História das idéias e movimentos anarquistas-v.l : A idéia/ George Woodcock; tradução de Júlia Tettamanzy. - Porto Alegre : L&PM, 2007.  p.132

23 de setembro de 2012

Século XX


História, Testemunho e Interpretação no Pós-Guerra



 
“Não fale do medo que temos da vida.
Não ponha o dedo na nossa ferida.”
- Ivan Lins, “Cartomante”
 

No ano de 2001, quando estive em Munique, na Alemanha, aproveitei a oportunidade para visitar as ruínas e o museu de memória semita que hoje compõe o ex campo de concentração nazista de Dachau 1. Na ocasião, após me informar com a população local sobre o paradeiro e o itinerário que me levaria ao memorial do campo de extermínio, enquanto esperava num ponto de ônibus, puxei conversa com um senhor alemão aparentemente sexagenário, que também aguardava o transporte sentado ao meu lado. Trocamos um diálogo sobre banalidades triviais – de onde éramos, o que fazíamos, sobre pontos comuns entre Alemanha e Brasil - até que ao sentir que a conversa amolecera, perguntei sobre suas memórias a respeito da 2ª. guerra mundial.   “Não falamos sobre isso”, ele respondeu, encerrando a conversa educadamente.
Em pleno século XXI e há mais de seis décadas após o horror, apesar dos avanços na quebra do silêncio através de produções documentais, literárias e cinematográficas iniciadas paulatinamente no período pós-guerra e acentuada sobre tudo após a Guerra Fria2, o trauma e o tabu ainda se apresentam pungentes entre carrascos e vítimas, atores e testemunhas, sub-homens de um conflito inconcluso – a mudez ante o terror genocida produzido pelas utopias do totalitarismo na 2ª guerra.

2     CANCELLI, Elizabeth. Testemunho e obliteração: da tragédia ao melodrama. Pag. 5 

A construção da memória por via testemunhal atravessaria paralelamente a reconstrução não somente física, mas psicológica e ideológica da Europa sobrevivente, dentro da famosa tônica do “tempo ao tempo”, em vista da reordenação caótica iniciada no pós-guerra em 1945, em meio às lentas e torturantes repatriações em massa de dezenas de milhões de europeus 3 4,  conflitos remanescentes subsequentes e ajustes de contas violentos (punições civis) entre vencedores e derrotados, numa dinâmica de acentuação da produção testemunhal proporcional a um distanciamento à década de 1940.
O esquecimento e o silêncio, tomados como espécie de morfinas iniciais do pós-guerra, dariam então lugar a dilacerante dor crônica espiritual das testemunhas do horror a partir da 1ª década do pós-guerra, através da produção da literatura de testemunho, a exemplo das obras de Marta Hiller e Primo Levi.
A primeira obra, “Eine Frau in Berlin – Uma Mulher em Berlim”, publicada inicialmente em 1954 na Alemanha, tratava do relato autobiográfico de Marta Hiller sobre a onda de estupros massivos e contínuos promovida pelo Exército Vermelho quando de sua invasão à Berlim em 1945, de população sobrevivente quase totalmente feminina5, como punição (revestida de nacionalismo) pelos russos aos alemães nazistas. Na época, a obra obteve grande rechaço popular com baixas vendas e críticas negativas, acusando-a de "sujar" a honra das mulheres alemãs e só viria a quebrar o tabu silencioso na década de 2000 com a produção cinematográfica “Anonyma - Eine Frau in Berlin” de 2008 6, de caráter dramático, sensacionalista, porém revelador dentro de um tabu de décadas mantido velado pela sociedade alemã.

3     “Somados seus esforços, Stalin e Hitler, entre 1939 e 1943, expatriaram, deslocaram, expulsaram, deportaram e dispersaram cerca de 30 milhões de pessoas.” – em JUDT, Tony. Pós-Guerra: uma história europeia desde 1945. Rio de Janeiro, Ed. Objetiva. 2008. pp. 36
4     Filme - “A Trégua/ The Truce”. de Francesco Rosi, Itália-França-Rússia-Suíça, 1997. Baseado no romance autobiográfico homônimo de Primo Levi.
5     HILLER, Marta. Eine Frau in Berlin, diary from 20 April to 22 June 1945, Die Andere Bibliothek Band Nr. 221, ISBN 3-8218-4534-1
6     Filme - Anonyma - Eine Frau in Berlin , produção teuto-polonesa de 2008, roteirizado e dirigido por Max Färberböck, baseado no livro Uma Mulher em Berlim 


A segunda obra, “É isto um homem?” foi publicada em 1947, trazendo uma literatura de testemunho onde Primo Levi, judeu italiano sobrevivente de Auschwitz, relata os horrores do extermínio judaico através da narração de histórias pessoais de vítimas, enfatizando a destituição do estatuto humano dos presos por via da destituição de suas posses, roupas, cabelos, falas, intimidades, em suma, suas identidades e personalidades, reduzindo-os a um número tatuado no braço, levando-os à perda do espírito e dignidade humanas, convertendo-os em um sub-produto humano indiferente aos demais e a si mesmo, passivo e sem reação.
Entretanto, esta literatura narrativa de testemunho traz alguns problemas quando contraposta ao estatuto da História, como observa Beatriz Sarlo em sua metodologia de análise 7, onde tais relatos devem, antes de tudo, ser passíveis de interpretação como discursos públicos, procuradores da memória alheia e permeados pela retórica do convencimento, reservado aos mesmos o valor da narrativa como discurso revelador da experiência e válido como prova jurídica do passado, porém não se tratando de História por se encontrarem univitelinamente presos ao corpo e tragédias vivas do narrador.
Salvo tais precauções, o testemunho se faz então documento como fonte à análise, como crítica e interpretação à construção da História, mas não como verdade – Quem testemunha? Quando? Onde? Como? Porquê testemunha?
Apoiados nestes tipos de testemunhos narrativos, as produções cinematográficas a partir da década de 1950 seriam apresentados às massas como instrumentos de garantia de direito à memória e a serviço da revelação sobre a verdade do horror então velada pelo totalitarismo. Em meio a fase de julgamentos dos crimes de guerra convertidos em espetáculos televisivos, como analisado por Hannah Arendt 8 , a filmografia atuaria sob um espectro político de poder, determinante de uma a dinâmica contraditória de recuperação da memória pós-guerra e de sua intrínseca obliteração promovida dentro de um pacto de reordenação e governabilidade das lideranças em meio a reconstrução e restauração da ordem européia nos pós-guerra.


7     SARLO, Beatriz  Tiempo Pasado. Cultura de La memoria y giro subjetivo. Buenos Aires. 2005
8     ARENDT, Hanah. Eichman em Jerusalém - um relato sobre a banalidade do mal. São Paulo, Diagrama & Texto, 1983.


            Desta forma, esta contradição promovida no paralelo entre construção e obliteração simultânea da memória popular pelos veículos de comunicação em massa, se daria como instrumento de manipulação social através do tamponamento da memória como fundamento da restituição das ordens estabelecidas ou restabelecidas dentro de dois eixos que promoveram este modelo de forma de obliteração como legítimos – 1) pela exploração do trauma e silêncio; 2) através do espetáculo em massa.
            A partir desta direcionada e parcial legitimação institucional midiática da memória, o terror da 2ª guerra promovido pelo nazismo e fascismo foi massivamente retratado então à opinião pública como uma espécie de exceção, como um extremo lapso racional, e não como um projeto racional da arquitetura da destruição disfarçada sob a falácia utópica de justiça moral nacionalizada.
            Esta construção da memória selecionada e direcionada se daria então em uma relação não desacobertadora, mas ocultadora e manipuladora, através do sensacionalismo fomentado pelo trauma social vivido na 2ª guerra mundial e no pós-guerra, como bem sintetizaria Orwell em sua obra literária 1984  9 :

"Quem controla o passado, controla o futuro.
Quem controla o presente, controla o passado.
Quem controla o presente, agora?
Testemunhe: está logo atrás da porta.” 
 
9     ORWELL, George. 1984.   São Paulo. Editora Nacional. 1984.  

Através da construção da memória obliterada de forma institucional por via desta práxis dramática, surgiriam assim, derivando das mesmas, a figura dos heróis, do “bem” contra o “mal”, das vítimas do extermínio e de seus libertadores mitificados, deste modo, antes cúmplices e então, defensores da paz e da liberdade e novos proprietários da narrativa legitimada, selecionada e ideológica, num processo cujo produto final se apresentaria no modelo calcado do horror espetacularizado, traumático e heroificado, totalmente alienado do estatuto da História, conforme observado na analise de Beatriz Sarlo – “Quando a narração se separa do corpo, a experiência se separa de seu sentido” 10.
Tais heroificações e vitimizações sensacionalistas (apesar da factível mégalo-tragédia) ocasionariam a supressão da rememoração como denunciante do terrorismo promovido pelo Estado, ante as construções novelescas rememorativas citadas, tratando sensacionalmente das causas e ocultando o cerne de suas consequências.
Contudo, estas rememorações construídas se fizeram centrais na restauração das relações sociais perdidas durante o conflito, frente à destruição física que atingiu todos extratos sociais e remodelou as relações sociais imediatas do pós-guerra entre os sobreviventes (órfãos, refugiados, perdedores, vencedores, ex prisioneiros, etc), antes estranhos entre si 11.
Dava-se, desta forma, o tamponamento da memória como inquiridora crítica dos motivos políticos que “justificaram” a limpeza étnica e política na Europa e alavancaram o totalitarismo como força política contra a secular e supostamente irreversível conquista universal dos direitos humanos.

          E eis aqui o ponto - a construção da memória desde o pós-guerra em formato sensacional/dramático, e não crítico, como inquiridora de uma razão européia inquestionada, dogmática e falida, apologista ao horror cíclico.
Maquiavel, em seu clássico “O Príncipe”, quase que preveria esta obliteração do essencial mote filosófico e político do totalitarismo frente à exploração do sensacional romantizado e massificado, conforme sua própria análise:

"[...] qualquer alteração na ordem das coisas prepara sempre o caminho para outras mudanças, mas num reinado os motivos e as lembranças das inovações vão sendo esquecidos." 12
 
10     SARLO, Beatriz  Tiempo Pasado. Cultura de La memoria y giro subjetivo. Buenos Aires. 2005
11     JUDT, Tony. Pós-Guerra: uma história europeia desde 1945. Rio de Janeiro, Ed. Objetiva. 2008.
12     MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. São Paulo. Editora Martin Claret. 2007 
 

Entre História e testemunho, métodos e estatutos, ciência e literatura, enquanto a narrativa descreve o animal humano que avança e adentra mais um século tangido pela crença da lição aprendida, observamos a dança das cadeiras no salão nobre se repetindo.  
Iniciado o século XXI, as peças do tabuleiro se reacomodam, as máscaras se remodelam e trocam de rostos, onde as vítimas perseguidas de outrora agora se insurgem como os novos carrascos, reinventando seus meios de violência e opressão, restaurando seus campos de concentração e seus novos motivos ideológicos consumidores de matéria e de espírito humano alheio.
Enquanto os novos velhos “ismos” repousantes se reciclam, trocando seus prefixos, caras e bocas, Marx nos recorda 13 da antiga tragédia original e de suas falaciosas repetições históricas – nossa infinda travessia pela longa noite escura. 


 
Ricardo Luiz
Setembro de 2012

14 de maio de 2012

Fragmento #12513


Instrução não é educação. 
Instruindo, ditando “pseudo” saberes, conhecimentos e valores específicos, estreitos, limitantes, tendenciosos e direcionados através de dogmas e sofismas, obtem-se a adestração e a restrição mental do indivíduo, num aprisionamento intelectual transposto ao coletivo através de mecanismos sociais de propaganda e comunicação, reforçadores e mantenedores de um inconsciente coletivo.

Educando, promovendo e ampliando no indivíduo sua capacidade e exercício de pensar por si próprio, expandindo no mesmo um intelecto anti-viciável-enclausurante e crítico à qualquer idéia que ao mesmo se apresente de maneira própria, sugerida ou imposta, obtem-se a abertura e libertação mental individual, transpostas a uma consciência coletiva através das idéias e visões contrapostas e discutidas no âmbito coletivo por via de saberes e pensamentos social e humanamente autônomos, estes, libertos dos radicalismos das imposturas institucionais das “verdades absolutas, lógicas e racionais” impostas pela instrução, livres e infinitamente mutáveis pela natureza do “pensar e repensar por si próprio”.
Históricas formas de poder entre governos e instituições políticas, econômicas, científicas ou religiosas, através da austeridade, da propaganda, da manipulação e da instrução ideológica sobre as sociedades tem obtido secular e satisfatoriamente o resultado do estabelecimento da ordem e de submissão das mesmas à seus interesses, em relações do tipo “senhorial x servil”.

Educando a sociedade pelo indivíduo, obter-se-á satisfatoriamente, ao revés, o resultado-produto de suas próprias idéias, anseios e liberdades, em transformações revolucionárias de sua própria visão e revisão de um mundo enfim “naturalmente humano”.

“Faça isso e siga-me”, inquere o instrutor.

“Observe, entenda, pense sobre tudo e de todas as formas. Siga seu caminho”, propõe o educador.

(RL)

3 de maio de 2012

Quem é livre?

(...)

No entanto, Marx, no final do século XIX, e Freud, no início do século XX, puseram em questão esse otimismo racionalista. Marx e Freud, cada qual em seu campo de investigação e cada qual voltado para diferentes aspectos da ação humana - Marx, voltado para a economia e a política; Freud, voltado para as perturbações e os sofrimentos psíquicos -, fizeram descobertas que, até agora, continuam impondo questões filosóficas. Que descobriram eles?
Marx descobriu que temos a ilusão de estarmos pensando e agindo com nossa própria cabeça e por nossa própria vontade, racional e livremente, de acordo com nosso entendimento e nossa liberdade, porque desconhecemos um poder invisível que nos força a pensar como pensamos e agir como agimos. A esse poder - que é social - ele deu o nome de ideologia.

Freud, por sua vez, mostrou que os seres humanos têm a ilusão de que tudo quanto pensam, fazem, sentem e desejam, tudo quanto dizem ou calam estaria sob o controle de nossa consciência porque desconhecemos a existência de uma força invisível, de um poder - que é psíquico e social - que atua sobre nossa consciência sem que ela o saiba. A esse poder que domina e controla invisível e profundamente nossa vida consciente, ele deu o nome de inconsciente.

Diante dessas duas descobertas, a Filosofia se viu forçada a reabrir a discussão sobre o que é e o que pode a razão, sobre o que é e o que pode a consciência reflexiva ou o sujeito do conhecimento, sobre o que são e o que podem as aparências e as ilusões.

Ao mesmo tempo, a Filosofia teve que reabrir as discussões éticas e morais: O homem é realmente livre ou é inteiramente condicionado pela sua situação psíquica e histórica? Se for inteiramente condicionado, então a História e a cultura são causalidades necessárias como a Natureza? Ou seria mais correto indagar: Como os seres humanos conquistam a liberdade em meio a todos os condicionamentos psíquicos, históricos, econômicos, culturais em que vivem?


(...)
Isso não significa, como imaginaram durante séculos os colonizadores, que tais culturas ou sociedades sejam irracionais ou pré-racionais, e sim que possuem uma outra idéia do conhecimento e outros critérios para a explicação da realidade.
Como a palavra razão é européia e ocidental, parece difícil falarmos numa outra razão, que seria própria de outros povos e culturas. No entanto, o que os estudos antropológicos mostraram é que precisamos reconhecer a “nossa razão” e a “razão deles”, que se trata de uma outra razão e não da mesma razão em diferentes graus de uma única evolução.
Indeterminação da Natureza, pluralidade de enunciados para um mesmo objeto, pluralidade e diferenciação das culturas foram alguns dos problemas que abalaram a razão, no século XX. A esse abalo devemos acrescentar dois outros.
O primeiro deles foi trazido por um não-filósofo, Marx, quando introduziu a noção de ideologia; o segundo também foi trazido por um não-filósofo, Freud, quando introduziu o conceito de inconsciente.
A noção de ideologia veio mostrar que as teorias e os sistemas filosóficos ou científicos, aparentemente rigorosos e verdadeiros, escondiam a realidade social, econômica e política, e que a razão, em lugar de ser a busca e o conhecimento da verdade, poderia ser um poderoso instrumento de dissimulação da realidade, a serviço da exploração e da dominação dos homens sobre seus semelhantes. A razão seria um instrumento da falsificação da realidade e de produção de ilusões pelas quais uma parte do gênero humano se deixa oprimir pela outra.
A noção de inconsciente, por sua vez, revelou que a razão é muito menos poderosa do que a Filosofia imaginava, pois nossa consciência é, em grande parte, dirigida e controlada por forças profundas e desconhecidas que permanecem inconscientes e jamais se tornarão plenamente conscientes e racionais. A razão e a loucura fazem parte de nossa estrutura mental e de nossas vidas e, muitas ve zes, como por exemplo no fenômeno do nazismo, a razão é louca e destrutiva.
Fatos como esses - as descobertas na física, na lógica, na antropologia, na história, na psicanálise - levaram o filósofo francês Merleau-Ponty a dizer que uma das tarefas mais importantes da Filosofia contemporânea deveria ser a de encontrar uma nova idéia da razão, uma razão alargada, na qual pudessem entrar os princípios da racionalidade definidos por outras culturas e encontrados pelas descobertas científicas.
Esse alargamento é duplamente necessário e importante. Em primeiro lugar, porque ele exprime a luta contra o colonialismo e contra o etnocentrismo - isto é, contra a visão de que a “nossa” razão e a “nossa” cultura são superiores e melhores do que as dos outros povos. Em segundo lugar, porque a razão estaria destinada ao fracasso se não fosse capaz de oferecer para si mesma novos princípios exigidos pelo seu próprio trabalho racional de conhecimento.


CHAUÍ, Marilena. “Convite à Filosofia”. Ed. Ática, São Paulo, 2000.

1 de maio de 2012

Primeiro de Maio

Sentindo que a violência
Não dobraria o operário
Um dia tentou o patrão
Dobrá-lo de modo vário.
De sorte que o foi levando
Ao alto da construção
E num momento de tempo
Mostrou-lhe toda a região
E apontando-a ao operário
Fez-lhe esta declaração:
- Dar-te-ei todo esse poder
E a sua satisfação
Porque a mim me foi entregue
E dou-o a quem bem quiser.
Dou-te tempo de lazer
Dou-te tempo de mulher.
Portanto, tudo o que vês
Será teu se me adorares
E, ainda mais, se abandonares
O que te faz dizer não.

Disse, e fitou o operário
Que olhava e que refletia
Mas o que via o operário
O patrão nunca veria.
O operário via as casas
E dentro das estruturas
Via coisas, objetos
Produtos, manufaturas.
Via tudo o que fazia
O lucro do seu patrão
E em cada coisa que via
Misteriosamente havia
A marca de sua mão.
E o operário disse: Não!

[O Operário em Construção, Vinícius de Moraes]

26 de abril de 2012

Fragmentos da Guerra


No momento de marchar
Muitos não sabem
Que seu inimigo marcha à sua frente.
A voz que comanda
É a voz de seu inimigo.
Aquele que fala do inimigo
É ele mesmo o inimigo.


General, teu tanque é um carro poderoso
Ele derruba uma floresta e esmaga cem homens.
Mas tem um defeito:
Precisa de um motorista.


General, teu bombardeiro é poderoso
Ele voa mais veloz que um vendaval e carrega mais carga que um elefante.
Mas tem um defeito:
Precisa de um engenheiro.


General, o homem é muito útil.
Ele pode voar e pode matar.
Mas tem um defeito:
Pode pensar.


(Bertold Brecht)


BRECHT, Bertold. 1898-1956. Poemas 1913-1956. Seleção e tradução de Paulo Cesar de Souza. São Paulo. Editora 34, 2000.

24 de abril de 2012

A História do Brasil

Documentário e guia de referência básico sobre a História do Brasil, numa perspectiva didática, geral e panorâmica. Pelo historiador Bóris Fausto.  (RL)



"Série narrada pelo historiador Bóris Fausto e que, por meio de documentos e imagens de arquivo, traça um panorama político, social e econômico do País, desde os tempos coloniais até os dias atuais. A série é composta, ainda, de entrevistas com algumas personalidades que ajudaram a escrever essa história."

15 de abril de 2012

O Encontro de Lampião com Eike Batista

Pela banda El Efecto.

"Duas coisas bem distintas
Uma é o preço, outra é o valor
Quem não entende a diferença
Pouco saberá do amor,
Da vida, da dor, da glória
E tão pouco dessa história -
Memória de cantador."


Site da banda: http://www.elefecto.com.br/


* Clique no botão "CC" na barra do Youtube para visualizar
a letra da música junto do vídeo.

Luminaris


O diretor argentino Juan Pablo Zaramella apresenta um stop motion da altura de suas ideias. No curta Luminaris, com com bolas de gude, lâmpadas e muita imaginação, o criativo conta a história de um homem cansado da rotina de trabalho e que diariamente planeja um sonho. O final você descobre assistindo ao vídeo.

Fonte: http://zupi.com.br/site_zupi/view/luminaris

4 de abril de 2012

Roger Waters - "The Wall" 2012


 
Roger Waters - The Wall, SP, 01/04/2012

Um murro na cara sem precedentes, extrapolando qualquer expectativa. As críticas a ordem sócio-político-econômica mundial e seus reflexos sobre a humanidade são brutalmente o eixo central de todo o show. Os mais desavisados que compareceram ao show esperando alguns hits Floydianos tiveram um choque de realidade expurgada através da dinâmica do álbum executado integralmente em grandiosa performance de Waters e sua grande banda.

Tudo estava lá, desde o imperialismo, o totalitarismo, a guerra e as instituições globais dominantes até as micro-historias solitárias e pessoais das personagens reais e comuns vitimadas no cotidiano pelo sistema exposto e dissecado por Waters de maneira incisiva, num clima tenso, perturbador e efusivo que transcorre quase todo o show.

Waters, assim como Lennon, sao raros músicos que abdicaram do ínfimo status de celebridades pop para assumirem um papel consciente e engajado como ativistas humanitários e libertários globais, se servindo do próprio megaesquema massivo do showbusines a seus propósitos pessoais e existenciais.

Megaprodução de palco, animações, filmes e imagens, luzes e pirotecnia deixaram o público em lotação embasbacado. E mais um vez, com o melhor som em termos de definição, potência e qualidade já vistos em concertos a céu aberto, num sistema quadrophônico com PAs em 360o. pelo estádio que faz o ouvinte se sentir literalmente dentro do som.

Um artista revolucionário, visivelmente provocado e ativo contra a ordem que o engloba, fazendo de sua música, mais do que sua arte e expressão, sua explicação e seu sentido pessoal no mundo no qual vive.  

(RL)

A “História” de Millôr


O guru se foi, deixando uma lacuna no efetivo intelecto brasileiro, preenchida por algumas de suas obras que coleciono em minha estante, das quais compilo aqui algumas de suas percepções ácidas e irônico-cômicas acerca de um tema do qual tenho me infectado nos últimos tempos.
Saudações Milloreanas!    (RL)


Defesa Prévia

“A história é uma istória”, ou “A história é uma história”, como escrevem os ortodoxos, ou “A história é uma estória”, como inventaram os prémoderninhos(¹), é um pequeno apanhado de idéias razoavelmente idiotas, ou relativamente tolas, que se foram formando em mim, em volta de mim, acima de mim, e por aí afora, nestes últimos quatro ou cinco mil anos. É uma visão do mundo derivada, claro, de que o Homo, que era “faber” e passou a “sapiens”, só terá salvação quando se tornar “ludens”. O que eqüivale a dizer que o bípede implume não tem salvação. É, definitivamente, um animal inviável(²).

De qualquer forma, apesar de admitir que minha visão do cosmo é absolutamente pedratória(³), quero deixar bem claro que a culpa por tudo isso que está aí não é exclusivamente minha.  

1. Os pré-moderninhos resolveram escrever estória em lugar de história para distinguir história de história, se é que me entendem. Nunca tendo ouvido falar de palavras homófonas-homógrafas (homofonógrafas) começaram a escrever história sem o agá, que não incomodava ninguém, e passaram a escrever no lugar do i um e que se pronuncia i.
2. Mas eu não sou.
3. Não confundir com predatória. O meu negócio é mesmo lapidar, atirar pedras.

(...)
Eu sempre gostei de história. Desde criança. Caí na asneira de dizer isso outro dia pro meu neto. Espantado, ele perguntou: “Mas quando o senhor era criança já tinha acontecido muita coisa?” Que é que eu ia dizer? Realmente eu sou do tempo em que o Mar Morto ainda estava agonizando. A sério: sempre estudei a história do passado e acompanhei a do presente. Num certo momento percebi que a história ia indo mais depressa do que eu. Eu ainda estava na primeira Guerra Mundial quando estourou a segunda. Estava começando a me acostumar com o poder de fogo do spitfire e do stuka quando eles estouraram a bomba em Hiroshima. Quando alcancei a Coréia, a história já estava se retirando do Vietnã e os japoneses já vendiam carros pros americanos. É, na minha idade não dá mais pra acompanhar. Sei que teve um quebra-quebra no Golfo, sei que grandes heróis não deixam entregar comida na Somália, sei que estão massacrando gente branca e bem vestida na Bósnia (preta e mal vestida na África, a gente acha perfeitamente natural), mas tudo isso é vago. Confesso que ainda não entendi nem a queda do muro de Berlim.
Parecia tão sólido! Pedreiros ruins os comunistas! Olha, não se pode confiar nem no passado remoto. Os cientistas não acabaram de descobrir a múmia gay? Que coisa! Futucar o cara no lugar indevido cinco mil anos depois.

Difamarem uma múmia! Múmia no meu tempo era respeitável. Queóps, Quéfrem, Ramsés, Tutankamen, Itamar! Eu tremo só de pensar no meu próprio futuro. Porque até aqui, em vida, acho que escapei. Mas fico imaginando daqui a cinco mil anos um fofoqueiro chegando pro outro e
dizendo: “E o Paulo Gracindo, hein? Você viu? Ninguém diria!”
(...)

A história é dos vitoriosos, isso já foi muito dito. O que não foi dito é que a história é, mais que tudo, de quem tem os melhores historiadores. Os romanos, por exemplo, não iam chamar de finos e eruditos os países que, ocasionalmente, os venciam. Nunca deram colher ao inimigo. Átila ficou na história como exemplo de monstruosidade e primarismo intelectual porque obrigou os romanos a pedir pinico-e não tinha um bom press-release.Você conhece algum historiador huno?
#
A história é dos vencedores. O soldado que foi anunciar a vitória de Maratona correu 42 quilômetros. A história não registrou quanto correu o soldado que foi anunciar a derrota.
#
A história é um tal tecido de mentiras que os colonialistas sempre conseguiram dar a impressão de que todos os países foram descobertos por estrangeiros.
#
A História é um troço inventado por historiadores que não concordam com o que outros historiadores inventaram antes.
#
A história é uma lenda, só que muito mais mentirosa.
#
A história não é mais do que o viaduto do incompreensível para o insabido.
#
A história sempre se repetiu. Mas com a energia nuclear, possivelmente o que vai se repetir é a pré-história.
#
Não tem história coisa nenhuma. Desde os Evangelhos (que em princípio, nem são considerados história), baseados em fatos irreais, de tradição oral, e, portanto, totalmente deturpados, até os fatos narrados pelos grandes historiadores do passado, como Heródoto (“O Pai da História”)  e Tucídides (“A Tia da História”?), nada há em que acreditar. Os dois últimos narram também coisas fantasiosas, de ouvir dizer, passando pela região em que os fatos aconteceram, quando passavam, cem anos depois. Já para o estudo da história moderna há excesso de dados. Impossível sabê-la.
#
O que importa não é a história. É o verbete da história.
#
Tudo se perde, a justiça nunca é feita, a história só justifica e ratifica os erros, incongruências e promoções do presente e até se dá ao luxo, uma vez, de 1.000 em 1.000 anos de desfazer uma injustiça. Só pra que os tolos digam que a verdade sempre aparece.
#
História não é nada. O homem vive numa terra de ninguém, entre um passado que já era e um futuro que não vai chegar nunca. Os que pretendem ser guias do futuro, apóstolos, profetas, políticos, são todos magos de feira que apontam à multidão o glorioso caminho do Nirvana antes de morrerem com o crânio fraturado por escorregarem em cocô de cachorro.


(Millôr Fernandes)


* FERNANDES, Millôr. 1923-2012. A HISTÓRIA É UMA ISTÓRIA, e o homem o único animal que ri.
* FERNANDES, Millôr. 1923-2012. Millôr Definitivo: A Bíblia do Caos. Porto Alegre. Editora L&PM, 2002.