18 de fevereiro de 2013

Fragmento #130126


Pus meu cargo “à disposição” por várias vezes e em várias situações, ante a questões imorais, antiéticas, desumanas ou desonrosas, impostas por aquilo que os medíocres chamam de “regras do mercado". Questões estas confrontadas ao meu valor, e não meu preço.
Há que se delinear a diferença entre valor e preço, para que sejas um homem, um animal filho da Terra, e não uma coisa, um produto.

Em todas estas situações, testemunhei nos demais o silêncio, o enxovalho, a humilhação consentida, a alma vendida e a honra perdida ao servir de capacho humano a escalões. E depois, como que querendo limpar a consciência com sofismas, cacarejavam em bandos, em almoços, salas sociais e cafés: "Mercado é isso - nos prostituímos e jogamos o jogo. As coisas são o que são".

Outra pérola deles - "Todo mundo tem seu preço". Entretanto, quase ninguém mais tem valor. A máxima deles - "Manda quem pode, obedece quem tem juízo." Entretanto, nós, que não eles, temos valor e não estamos à venda.

É o legado que queremos deixar nos autos de nosso tempo. Pagamos para que não nos comprem. Nós, que não somos ele$. Pobres covardes, servos do medo, coniventes à chibata secular e à aniquilação da própria espécie.
 

(RL)

7 de fevereiro de 2013

Conceitos: a urgência global de repensá-los


Por Leonardo Boff, enviado por e-mail pela Secretaria Geral do MST


Nutro a convicção, partilhada por outros analistas, de que a crise sistêmica atual nos deixará como legado e desafio a urgência de repensar a nossa relação para com a Terra, para com os modos de produção e consumo, reinventar uma forma de governança global e uma convivência que inclua a todos na única e mesma Casa Comum. Para isso é forçoso rever conceitos-chaves, que como bússola nos possam apontar um novo norte. Boa parte da crise atual se deriva de premissas falsas.

O primeiro conceito a rever é o de desenvolvimento. Na prática ele se identifica com o crescimento material, expresso pelo PIB. Sua dinâmica é ser o maior possível, o que implica exploração desapiedada da natureza e a geração de grandes desigualdades nacionais e mundiais. Importa abandonar esta compreensão quantitativa e assumir a qualitativa, esta sim como desenvolvimento, bem definido por Amartya Sen (prêmio Nobel) como “o processo de expansão das liberdades substantivas”, vale dizer, a ampliação das oportunidades de modelar a própria vida e dar-lhe um sentido que valha a pena. O crescimento é imprescindível pois é da lógica de todo ser vivo, mas só é bom a partir das interdependências das redes da vida que garantem a biodiversidade. Em vez de crescimento/desenvolvimento deveríamos pensar numa redistribuição do que já foi acumulado.

O segundo é o manipulado conceito de sustentabilidade que, no sistema vigente, é inalcançável. Em seu lugar deveríamos introduzir a temática, já aprovada pela ONU, dos direitos da Terra e da natureza. Se os respeitássemos, teríamos garantida a sustentabilidade, fruto da conformação à lógica da vida.

O terceiro é o de meio-ambiente. Este não existe. O que existe é o ambiente inteiro, no qual todos os seres convivem e se interconectam. Em vez de meio ambiente faríamos melhor usar a expressão da Carta da Terra: comunidade de vida. Todos os seres vivos possuem o mesmo código genético de base, por isso todos são parentes entre si: uma real comunidade vital. Este olhar nos levaria a ter respeito por cada ser, pois tem valor em si mesmo para além do uso humano.

O quarto conceito é o de Terra. Importa superar a visão pobre da modernidade que a vê apenas como realidade extensa e sem inteligência. A ciência contemporânea mostrou e isso já foi incorporado até nos manuais de ecologia, que a Terra não só tem vida sobre ela, mas é viva: um superorganismo, Gaia, que articula o físico, o químico e as energias terrenas e cósmicas para sempre produzir e reproduzir vida. Em 22 de abril de 2010 a ONU aprovou a denominação de Mãe Terra. Este novo olhar, nos levaria a redefinir nossa relação para com ela, não mais de exploração mas de uso racional e respeito. Nossa mãe a gente não vende nem compra; respeita e ama. Assim com a Mãe Terra.

O quinto conceito é o de ser humano. Este foi na modernidade pensado como desligado, fora e acima da natureza, fazendo-o “mestre e senhor”dela (Descartes). Hoje o ser humano está se inserindo na natureza, no Universo e como aquela porção da Terra que sente, pensa, ama e venera. Essa perspectiva nos leva a assumir a responsabilidade pelo destino da Mãe Terra e de seus filhos e filhas, sentindo-nos cuidadores e guardiães desse belo, pequeno e ameaçado Planeta.

O sexto conceito é o de espiritualidade. Esta foi acantonada nas religiões quando é a dimensão do profundo humano universal. Espiritualidade surge quando a consciência se apercebe como parte do Todo e intui cada ser e o inteiro Universo sustentados e penetrados por uma força poderosa e amorosa: aquele Abismo de energia, gerador de todo o ser. É possível captar o elo misterioso que liga e re-liga todas as coisas, constituindo um cosmos e não um caos. A espiritualidade nos confere sentimento de veneração pela grandeur do universo e nos enche de autoestima por podermos admirar, gozar e celebrar todas as coisas.

Temos que mudar muito ainda para que tudo isso se torne um dado da consciência coletiva! Mas é o que deve ser. E o que deve ser tem força de realização.


Leonardo Boff é autor de Opção-Terra:a solução para a Terra não cai do céu, Record 2010.


Fonte: Vi o Mundo