1 de novembro de 2014

Dinheiro é veneno no Xingu

Por Pirakuman Yawalapiti

Estamos muito preocupados com o futuro do Xingu. A gente não sabe o que vai acontecer daqui a cinquenta anos. De lá para cá, tudo correu bem. Mas a gente lutou muito. Eu sei que temos contato com o branco já há quase cem anos. Até agora, com muita luta, estamos mantendo a cultura. A minha preocupação é o futuro.

Nos, Yawalapiti, toda noite e à tarde a gente reúne os jovens, falando sobre essa preocupação, falando do futuro deles. Como Orlando e meu pai faziam quando eu era pequeno.

Mas, nesse tempo, o que mudou a rapaziada hoje lá no Xingu... é coisa triste.

A principal mudanças na juventude é o dinheiro. Esse é o problema. Dinheiro que veio do emprego. A saúde oficial do Estado entrou ali e empregou os rapazes como auxiliar de enfermagem. A educação entrou ali e empregou os rapazes e as meninas como professores. Os jovens viraram funcionários públicos. Dentro da aldeia. Mas não é emprego para muito tempo. É emprego que dura pouco, e leva o dinheiro pra dentro da aldeia. E o que isso quer dizer? Significa que os que têm emprego dizem que querem ir morar na cidade: “Eu vou sair da aldeia, eu vou morar na cidade. Eu vou arrumar outro emprego”. Um emprego faz com que o jovem queira arrumar, depois, outro emprego. E assim deixa de lado o custume, a cultura.

O governo hoje dá emprego para quem sabe escrever um pouco. Esses jovens recebem emprego para trabalhar na saúde, como agente de saúde, e ajudar a comunidade, ou educação, como falei. Mas o problema é em seguida. Quando termina o contrato de um ano, eles querem sair para a cidade para procurar outro emprego. Isso me preocupa muito. Emprego e dinheiro. E os empregos que els vão encontrar na cidade são sub emprego dos brancos. Eles trabalham para fazendeiros. Trabalham para sojeiro. Já está acontecendo. Ate um rapaz morreu trabalhando a soja, quando despencou soja nele. Um jovem kalapalo. Esse circulo de emprego e dinheiro é um problema muito perigoso.


Vários rapazes de outras etnias estão trabalhando como varredor de rua, peão de fazenda, fazendo tijolo na olaria, fazendo asfalto na estrada junto do DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte), e não querem voltar para a aldeia. Porque acostumaram a pegar dinheiro e não querem mais voltar. O pessoal que mora na cidade não sabe mais história nem a sua cultura. Tudo o que a gente sabe ele não sabe mais. Isso está deixando a gente ficar doente.
Eu, meu irmão, outros caciques, a gente tenta falar e o jovem recusa ouvir.

E é do jeito que o Orlando falava pra mim, é como está acontecendo.

Sobre o dinheiro, especificamente, o Orlando falava assim: “O que vai acabar com vocês é o dinheiro. O dinheiro é a arma mais perigosa que o branco tem. É veneno. O dinheiro faz tudo. O branco vai te comprar, vai fazer vocês virarem inimigo do seu próprio irmão, do seu parente.

Dinheiro vai trazer inveja, ciúme. Vai provocar briga. Tudo isso, o dinheiro”.

Está acontecendo tudo o que o Orlando falava. Daí, com o dinheiro, o jovem esquece a cultura e passa a se preocupar com as coisas do branco.

É uma coisa que eu queria entender. Por que tem que ir atrás do emprego, morar na cidade? Eu não vejo nenhum problema se você está morando na aldeia. Lá, você não tem nada de gastar, como na cidade. De pagar aluguel, pagar água, energia, comida. Não existe esse tipo de coisa na aldeia.

Agente de saúde que foi demitido vai embora para a cidade procurar emprego. E nesse caminho, tem jovens também que fazem a cabeça dos pais, levam os pais para se aposentar. Alugam uma casa na cidade. O velho se sente bem na aldeia. Mas, por influência dos jovens, ele vai pra cidade, e sofre. Falta comida. Falta tudo.

Esse é o problema do dinheiro. Problema que atinge dentro de nós. Só que esse não é o único problema lá no Xingu.

Produção de soja, poluição de água, veneno caindo na água, isso nos atinge iretamente. Atinge o nosso território e atinge a nossa vida. O Xingu está cercado de soja, não tem mais aquela mata. Os rios estão ficando contaminados, e o ar está seco. Cada ano que passa, tem mais queimadas. Agora, qualquer fogo é perigoso, porque as fazendas estão secando o ar. Em 2012, nossa aldeia queimou todinha num grande incêndio, tivemos que reconstruir.

Agora, as fazendas e as cidades chegaram na porta do Xingu. Nossos filhos estão entre esses dois mundos. E a gente precisa lutar.



Fonte: Carta Capital

29 de outubro de 2014

Cordel da Ressaca Eleitoral


O dólar sobe. O dólar desce.
Terrorismo de mercado que inflama.
Mas acabou a água em São Paulo.
Seca corrupta neoliberal tucana,
Estelionato eleitoral alckmista.
Seu impedimento foi posto em marcha
Na Assembléia do Tucanistão Paulista.

O dólar sobe. O dólar desce.
Mas nem o choro hipócrita-pseudomoralista
Da infame e imunda direita golpista
Reverterão nossa água roubada
Pela quadrilha tucana paulista.

O dólar sobe. O dólar desce.
Dólar alto, voos à Miami em baixa.
São Paulo seco, voos ao Nordeste em alta.
Em alta também o racismo,
A xenofobia e o elitismo
De um estado protofascista,
Herdeiro histórico direto
Da recém marcada sociedade escravista
Que mercantiliza educação e saúde,
Que brutaliza os trabalhadores
Que encarcera e assassina jovens negros,
No “apartheid” da periferia.

O dólar sobe. O dólar desce.
O que não muda é a maldita clivagem
E esse nefasto controle da massa
Teleguiada, alienada e tangida
Ao eleitoral sistema arranjado
A escolher nesse pobre cardápio
O retrocesso realimentado,
Na dominada bancada ruralista,
Religiosa e militarista,
Mantenedora do latifúndio,
Criminalizadora da pobreza projetada
Retaliadora dos direitos civis
Exterminadora da natureza
Tocando a pique o genocídio indígena
No Estado moderno neoliberalista.

O dólar sobe. O dólar desce.
A mídia engana, manipula e dita.
A mídia é dona do sim e do não.
Seu crime é livre, e sem legislação
Nos rouba toda a expressão-liberdade.
Mas isso tudo começa a rachar
No esgotamento do tal sistema.
Luta de classes, mundo espoliado,
Estado decadente e legalizado
- Até o ar será privatizado!
Democracia só será de fato
Se governada, mas desde de baixo
Desvanecendo a desigual condição
No falso discurso meritocrático
Rompendo a ordem predatória
Do capital livre e desenfreado.

O dólar sobe. O dólar desce.
E em meio ao parecer imutável
Um grito então irrompe à hipnose -
"Todo poder ao povo!"
Gritava a história em nova alvorada.
Reforma política, social, econômica,
Ambientalmente reintegrada,
Consulta popular ampliada,
Estudantes, trabalhadores, idosos,
Mulheres, LGBTs, negros, indígenas,
Utopia materializada
Mobilização e pressão desde as ruas
À nova pauta a ser demandada -
Governo outro, de baixo pra cima
Em um Estado que nos obedeça.
Para que serve, afinal, o Estado
- nos lembra a rir, o lindo anarquista -
Quando não serve à sua sociedade
Em sua autoridade, assim justificada?

O dólar sobe. O dólar desce.
Feliz ano novo, o saudamos
Nos adiantando e atravessando
Tamanha e dura eleitoral ressaca.
E que o debate e o direito à palavra
Voltem das telas e editoriais
Da mídia falida golpista privada,
Dos grãos proprietários, oligarcas, generais,
À nos, às ruas e à todos gerais.

“E o dólar?!”
- Inquere o pequeno burgês
Pelo sistema, adestrado
Senso comum coisificado
Deitado eternamente
Em berço sistêmico -

E o dólar?!
Roubaram até nossa ÁGUA.
Porra!!!

(RL)
Outubro/2014

12 de outubro de 2014

Agrotóxicos & Transgênicos

link: "Fotógrafo registra males causados por agrotóxicos e transgênicos"

Câncer. É o que provavelmente você, teus pais, teus amigos e até mesmo teus filhos vão ter. Estamos todos rodeados por casos cada vez mais frequentes ao nosso redor, e o envenenamento agrícola e pecuário é cada vez mais ampliado a toque de caixa pelas instituições globais e nacionais em prol do capital. Viva os transgênicos e os agrotóxicos. Viva o patenteamento de genes, sementes e seres vivos. Viva o monopólio e o imperialismo alimentar da Monsanto (EUA), Syngenta (Suíça), Dupont (EUA), Basf (Alemanha), Bayer (Alemanha) e Dow (EUA). Viva os ruralistas, a devastação e contaminação ambiental e o agronegócio. Viva o latifúndio, os superlucros e a super concentração de renda e fundiária. Viva o progre$$o. Viva a ordem. Viva a ignorância e o silêncio massivo. Viva. Ou morra.

(RL)

Eleições 2014 - São Paulo


Jamais desconsiderar a direita, seu golpismo midiático e sua manipulação massiva, mesmo que dentre os avanços evidentes do centro. A ignorância, a alienação, a deseducação travestida de instrução, a despolitização, o senso comum sensacional (irracional) e o esvaziamento político se propagam socialmente de maneira muito mais veloz e quantitativa do que seus opostos, obviamente. Descrença induzida e esvaziamento politico são morada do fascismo.Vide as eleições em São Paulo. O retrocesso está aí.

"Congresso eleito é o mais conservador desde 1964, afirma Diap"

(RL)

Anatomia da Direita


O aparelho digestivo se localiza na caixa craniana e o órgão excretor é constituído pelas cordas vocais, língua e boca nesta espécie. Este sistema produz um tipo de toxina com propriedades cancerígenas e neurocorrosivas, geradoras de anomalias autoinfectantes que se alastram no organismo deste animal, levando-o na maioria dos casos à debilidade cognitiva, perda de funções do intelecto e comportamento agressivo, preconceituoso e raivoso quando animais desta espécie são reunidos em bandos, partidos, seitas, templos, milícias e corporações em geral. Recomenda-se evitar o contato com estes tipos de animais em idade reprodutora ideológica. Em caso de contágio patológico, procurar imediatamente um profissional de educação libertária, evitando automedicar-se com programas de TV, livros doutrinatórios e/ou de auto-ajuda, materiais de indústria de entretenimento em massa, correntes e memês de internet, publicações e telejornais de conglomerados midiáticos privados e demais artefatos de direita. Ingerir muita água, frequentar universidades, bibliotecas, grupos teatrais, musicais e culturais, grupos de integração social e de proteção animal e ambiental, comunidades pluridiversas e ambientes naturais são parte do tratamento em caso de contágio. Informe-se, proteja-se. Você também é responsável pela preservação do planeta.

(Campanha Nacional de Prevenção à Direita)

(RL)

11 de outubro de 2014

Eleições 2014 x Povos Indígenas


Os povos indígenas secularmente enclausurados pela fronteira nacional não são nem nunca foram pauta de debate eleitoral nenhum. Estão obviamente fora dos planos desenvolvimentistas do Estado e da sociedade civil capitalista. São pessoas varridas à bala pela expansão do agronegócio exportador e mão de obra escrava desse latifúndio que os latrocida. São paisagem a ser devastada pela construção de hidrelétricas à produção do consumismo supérfluo, travestida de inclu$ão social. Cada vez que ouço ou leio um empresário ou um político falar em sustentabilidade e integração via manejo de recursos naturais pelos indígenas, me dá vontade de vomitar e partir daqui. E o seu genocídio avança, assim como nosso próximo e futuro autoextermínio. Só para relembrar aos cegos passageiros na vertigem do veloz carrosel alienante dos mitos de nosso tempo.

(RL)

30 de agosto de 2014

Living Colour: "Time´s Up" (1990)

Eu tinha 17 anos quando esse long play caiu na minha mão. Foi um soco na cara. Eu já tinha virado fã imediato da banda desde o álbum de estréia do Living Colour, "Vivid", de 1988. Era o auge do metal em 1990, eu começava a tocar bateria com... bandas de garagem e o cenário era aquele clichê-viciado, pautando as baterias desta fase com dois bumbos, meia dúzia de tontons e 12 pratos. Will Calhoun, na contramão, foi um batera divisor de águas nessa fase - pegada monstra, forte, intensa, técnica mas sem pedância nem clausura de linguagem, mesclava partes pesadas de metal, hard e rock com grooves azeitadíssimos de funk setentista, de soul e de ritmos afros, cunhando assim o estilo denominado pela mídia de "funk metal". Era muita transgressão, liberdade e criatividade pro cenário do showbizz ao redor (metal, trash, hard-rock-laquê), além das temáticas da banda girarem em torno de críticas incisivas ao capitalismo, à meritocracia, à alienação, ao racismo, à desigualdade e exclusão, e mitos de liberdade, cidadania e democracia da sociedade de consumo estadunidense. Em "Wich Way to America?", do Vivid, a banda de quatro músicos negros do gueto novaiorquino do Bronx atestavam - "I look at the T.V., Your America's doing well / I look out the window, My America's catching hell". Em "Pride", deste Time's Up, sentenciavam - "History's a lie that they teach you in school / A fraudulent view called the golden rule / A peaceful land that was born civilized / Was robbed of its riches, its freedom, its pride". Este segundo álbum, o melhor da carreira da banda, trazia produção e composições aprimoradas, como Time's Up, Pride, Elvis is Dead (com Little Richard), Type, Solace of You e This is The Life, todos clássicos de um clássico de uma das (senão "a") melhor banda estadunidense do anos 90. Como a gente dizia antes do MP3 - "um dos meus discos de cabeceira". Trilha sonora pra você ouvir no fone de ouvido, enquanto assiste ao vivo pela TV ao novo velho "Missouri em Chamas".

16 de agosto de 2014

Se Palestinos Fossem Seres Humanos


Se palestinos fossem seres humanos, eles não estariam estirados no chão às centenas após um ataque do exército israelense em Shuja´iya. Se eles fossem seres humanos, os corpos daqueles mortos em Khuza´a, com a pele derretida por conta da intensidade das bombas israelenses fabricadas nos EUA, eles não seriam encontrados empilhados um em cima do outro em um canto de um banheiro.

Se palestinos fosse...
m seres humanos, as equipes médicas não teriam o acesso negado pelos tanques israelenses para atender a dúzias de vítimas, atingidas pelos mísseis de drones israelenses e, teriam sido enterradas, ao invés de ficarem largadas nas ruas para então serem devoradas pelos animais.

Se palestinos fossem seres humanos, eles não teriam sido bombardeados até a morte por Israel, enquanto se refugiavam em uma das sete escolas da ONU atacada até agora, incluindo em Beit Hanoun, em Jabaliya – enquanto famílias dormiam no chão de uma sala de aula – e mais recentemente, em Rafah, enquanto crianças procuravam doces e biscoitos.

Se palestinos fossem seres humanos, suas cidades e vilas não seriam destruídas pelo exército israelense, com suas casas sendo pulverizadas, enquanto famílias sentavam juntas dentro delas.

Se palestinos fossem seres humanos, eles não precisariam carregar em sacos plásticos o resto dos corpos de suas crianças – e nem elas seriam mortas enquanto brincavam na praia, comiam ou até mesmo quando passavam por uma cirurgia em um hospital. Elas não seriam os alvos principais da “guerra de precisão” de Israel.

Se palestinos fossem seres humanos aos olhos de Israel e de outros países, seus assassinos no exército israelense seriam levados à justiça perante a lei internacional.

Eles poderiam estar livres para fugirem da zona de guerra – contidos por paredes de concreto, enquanto milhares de toneladas de bombas israelenses caem do céu sob eles, de estarem protegidos pelas escolas da ONU, de terem acesso à água limpa, eletricidade e itens básicos.

Eles poderiam assistir suas crianças crescerem em paz, vivendo e com dignidade. Nós saberíamos seus nomes, o que elas faziam, o que elas gostavam de fazer e o que elas sonhavam.

Se palestinos fossem vistos como seres humanos, o mundo seguiria os passos de sua extrema resistência, afeto e compaixão – os quais eles se recusam a desistir mesmo em suas condições desumanas.


- Shourideh C. Molavi

http://www.revistaforum.com.br/blog/2014/08/se-palestinos-fossem-seres-humanos/

15 de agosto de 2014

Perigos Sociais da Mediocridade


Por José Ingenieros



A psicologia dos homens medíocres caracteriza-se por um traço comum: a incapacidade de conceber uma perfeição, de formar um ideal.


São rotineiros, honestos, mansos; pensam com a cabeça dos outros, condividem a hiprocrisia moral alheia, e ajustam o seu caráter às domesticidades convencionais.

Estão fora de sua órbita o engenho, a virtude e a dignidade, privilégio dos caracteres excelentes; sofrem, por isso, e os desdenham. São cegos para as auroras; ignoram a quimera do artista, o sonho do sábio e a paixão do filósofo. Condenados a vegetar, não suspeitam que existe o infinito, para além dos seus horizontes.

O horror do desconhecido ata-os a mil preconceitos tornando-os timoratos e indecisos; nada aguilhoa a sua curiosidade; carecem de iniciativa, e olham sempre para o passado, como se tivessem olhos na nuca.
São incapazes de virtude; ou não a concebem, ou ela lhes exige demasiado esforço. Nenhum afã de santidade consegue pôr em alvoroço o sangue do seu coração; às vezes não praticam crimes, com medo do remorso.
Não vibram em tensões mais altas de energia; são frios, embora ignorem a serenidade; apáticos, sem serem previsores; acomodaticios sempre, nunca equilibrados. Não sabem estremecer, num calafrio, sob uma carícia terna, nem desencadear de indignação, diante de uma ofensa.
Não vivem a sua vida para si mesmos, senão para o fantasma que projetam na opinião dos seus semelhantes. Carecem de linha; sua personalidade se desvanece, como um traço de carvão sob a ação do esfuminho, até desaparecer por completo. Trocam a sua honra por uma prebenda, e fecham a sua dignidade com chave, para evitar um perigo; renunciariam a viver, ao invés de gritar a verdade em face do erro de muitos. Seu cérebro e seu coração estão entorpecidos igualmente, como pólos de um ímã gasto.
Quando se arrebanham, são perigosos. A força do número supre a debilidade individual: mancomunam-se aos milhares, para oprimir todos quantos desdenham encadear a sua mentalidade nos elos da rotina.
Subtraídos à curiosidade do sábio, pela couraça da sua insignificância, fortificam-se na coesão do total; por isso, a mediocridade é, moralmente, perigosa, e o seu conjunto é nocivo em certos momentos da história: quando reina o clima da mediocridade.
Épocas há em que o equilibrio social se rompe a seu favor. O ambiente torna-se refratário a toda ânsia de perfeição; os ideais se emurchecem, e a dignidade se ausenta; os homens acomodaticios têm a sua primavera florida. Os Estados convertem-se em mediocracias; a falta de aspirações para manter alto o nivel da moral e da cultura, vai tornando mais profundo o lamaçal, constantemente.
Embora isolados não mereçam atenção, em conjunto, constituem um regime, representam um sistema especial de interesses irremovíveis. Subvertem a tábua dos valores morais, falseando nomes, desvirtuando conceitos; pensar é loucura, dignidade é irreverência, é lirismo a justiça, a sinceridade é tolice; a admiração, imprudência; a paixão, ingenuidade; a virtude, estupidez.
Na luta das convenções presentes contra os ideais futuros, do vulgar contra o excelente, é comum vêr mesclado o elogio do subalterno com a difamação do conspícuo, pois, tanto uma coisa como outra, comovem, igualmente os espíritos embrutecidos. Os dogmatistas e os servis aguçam os seus silogismos, para falsear os valores na consciência social; vivem da mentira; alimentam-se dela, semeiam-na, regam-na, podam-na, colhem-na. Assim, criam um mundo de valores fictícios, que favorece o auge dos obtusos, assim tecem sua surda teia em torno dos gênios, dos santos e dos heróis obstruindo, nos povos, a admiração da glória. Fecham o curral, cada vez que vibra, nas vizinhanças, o alento inequívoco de uma águia.
Nenhum idealismo é respeitado. Se um filósofo estuda a verdade, tem de lutar contra os dogmatistas mumificados; se um santo quer atingir a virtude, despedaça-se contra os preconceitos morais do homem acomodatício; se o artista sonha novas formas, rítmos ou harmonias, as regulamentações oficiais da beleza embargam-lhe o passo; se o enamorado quer amar, obedecendo ao seu coração, esborôa-se contra as hiprocrisias do convencionalismo; se um juvenil impulso de energia leva a inventar, a criar, a regenerar, a velhice conservadora corta-lhe o passo; se alguém, com gesto decisivo, ensina a dignidade, ladra a turba dos servís; os invejosos corcomem, com sanha perversa, a reputação dos que tomam os caminhos dos cimos; se o destino chama algum gênio, um santo ou um herói, para reconstruir um caminho, as mediocracias, tacitamente arregimentadas, resistem. Todo idealismo encontra, nesses climas, o seu Tribunal do Santo Ofício.


José Ingenieros



trechos de "O Homem Medíocre" (1913)

14 de junho de 2014

E a elite vai à Copa...

Xingamentos na abertura da Copa (da FIFA, da exclusão e do despejo) desde a "elite", da turminha dos Globais e da playboyzada tôsca-fútil-inútil-ôca da mediocracia do Tucanistão Paulista viraram elogios, na verdade. É aquele mesmo povinho Brasil-Miami do discurso "A saída pro Brasil é Cumbica", "Imagina na Copa", "Amarra no poste e lincha", "E a imagem que o Brasil vai passar lá fora" (?!), enfim,... aquela mesma velha, ordinária, lacaia, nojenta e medíocre viralatice da direita tupiniquim de sempre. É o mesmo povinho detentor da chibata, que outrora aplaudia de pé a generais na copa de 70 enquanto estes estupravam, assassinavam, violentavam, barbarizavam e esmagavam sócio-economicamente o país, apoiados pela "elite" a custa de seus privilégios. É a mesma gente elitista, racista, autoritária, conservadora e ignorante, aversa, raivosa e odiosa a qualquer tipo de reforma e avanço social, mesmo que essas mui limitadas e inéditas mudanças feitas "através" do PT via pressão e mobilização social. É a mesma gente que continua beneficiada dentre as permanências de tantas injustiças sociais oriundas de quatro séculos de escravidão oficial e mais um século de escravidão não oficial (mantidas por todos governos, empresariados, oligarquias, latifúndios e coronéis) - a história deste país. É o mesmo povo que vê os índios como mero folclore a ser desvanecido e varrido pra debaixo do tapete do desenvolvimento, e não como um povo que tem a nos ensinar como viver nesse planeta. É gente que odeia ver o preto pobre periférico entrando na faculdade via cota, bolsa de estudos ou financiamento, concorrendo com playboy na universidade pública e no mercado, conseguindo enfim, mesmo que inédita e minoritariamente, ter uma casa, um carro, e trabalhando qualificadamente para isso. E são também os mesmos que vão tentar reeleger o Alckmin, mesmo que o füher tucano paulista da opus dei os mate de sede, de bomba, de violência, de Tietê-Pinheiros, de CO2, de crime organizado aliado, de inércia, de stress, de imobilidade urbana e de pedágios e taxas mil. Como eu disse, xingamentos vindo desde isso aí, meu filho, são "louros".

#vaitercoxinhanacopa
#naohaprimeiraopcao #primeiraopcaoaconstruir #PTsegundaopcao #segundaopcaoporautodefesa #PSDBnuncafoinemseráopção #reformapolitica #cuidadocomgolpismo #vaosefodercoxinhasfascistas

7 de abril de 2014

Primavera

Em vão centenas de milhares de homens, amontoados num pequeno espaço, se esforçavam por desfigurar a terra em que viviam; em vão a cobriam de pedras para que nada pudesse germinar; em vão arrancavam as ervas tenras que pugnavam por irromper; em vão impregnavam o ar de fumo de petróleo e de carvão; em vão escorraçavam os animais e os pássaros, porque até na cidade a primavera era Primavera.

- Liev Tolstói

A Sociedade Contra o Estado

Ora, é perturbador constatar que os Tupi-Guarani parecem, na época que a Europa os descobre, afastar-se sensivelmente do modelo primitivo habitual, e em dois pomos essenciais: a taxa de densidade demográfica de suas tribos ou grupos locais ultrapassa claramente a das populações vizinhas;
(...)
Os chefes tupi-guarani não eram certamente déspotas, mas não eram mais de modo algum chefes sem poder. N...
ão cabe aqui empreender a longa e complexa tarefa de analisar a chefia entre os Tupi-Guarani. Baste-nos simplesmente revelar, num extremo da sociedade, se é possível dizer, o crescimento demográfico, e, no outro, a lenta emergência do poder político.
(...)
Esse processo de transformação profunda da sociedade tupi-guarani teve uma interrupção brutal com a chegada dos europeus.
(...)
Mas, no presente caso, pensamos poder responder com firmeza pela negativa: não foi a chegada dos ocidentais que cortou a emergência possível do Estado entre os Tupi-Guarani, e sim um sobressalto da própria sociedade enquanto sociedade primitiva, um sobressalto, uma sublevação de alguma forma dirigida, se não explicitamente contra as chefias, ao menos, por seus efeitos, destruidor do poder dos chefes. Queremos falar desse estranho fenômeno que, desde os últimos decênios do século XV, agitava as tribos tupi-guarani a predicação inflamada de alguns homens que, de grupo em grupo, concitavam os índios a tudo abandonar para se lançarem na procura da Terra sem Mal, do paraíso terrestre.
(...)
Chefia e linguagem estão, na sociedade primitiva, intrinsecamente ligadas; a palavra é o único poder concedido ao chefe: mais do que isso a palavra é para ele um dever. Mas há uma outra palavra, um outro discurso, articulado não pelos chefes, mas por esses homens que, nos séculos XV e XVI, arrastavam atrás de si milhares de índios em loucas migrações em busca da pátria dos deuses: é o discurso dos karai, é a palavra profética, palavra virulenta eminentemente subversiva que chama os índios a empreender o que se deve reconhecer como a destruição da sociedade. O apelo dos profetas pra o abandono da terra má, isto é, da sociedade tal como ela era, para alcançar a Terra sem Mal, a sociedade da felicidade divina, implicava a condenação à morte da estrutura da sociedade e do seu sistema de normas. Ora, a essa sociedade se impunha cada vez mais fortemente a marca da autoridade dos chefes, o peso de seu poder político nascente. Talvez então possamos dizer que, se os profetas, surgidos no coração da sociedade, proclamavam mau o mundo em que os homens viviam, é porque eles revelavam a infelicidade, o mal, nessa morte lenta à qual a emergência do poder condenava num prazo mais ou menos longo, a sociedade tupi-guarani, como sociedade primitiva, como sociedade sem Estado.
(...)
E esse pensamento selvagem que quase cega por tanta luz, nos diz que o lugar de nascimento do Mal, da fonte da infelicidade, é o Um.
Talvez seja preciso dizer um pouco mais e se perguntar o que o sábio guarani designa sob o nome de Um. Os temas favoritos do pensamento guarani contemporâneo são os mesmos que inquietavam, há mais de quatro séculos, aqueles a quem já se chamava karai, os profetas. Por que o mundo é mau? O que podemos fazer para escapar ao mal? Questões que ao cabo de gerações esses índios não cessam de se colocar: os karai de agora se obstinam pateticamente em repetir o discurso dos profetas de outros tempos. Estes sabiam, pois, que o Um é o mal; eles o diziam de aldeia em aldeia, e as pessoas os seguiam na procura do Bem, na busca do não-Um. Temos, portanto, entre os Tupi-Guarani do tempo do Descobrimento, de um lado uma prática – a migração religiosa – inexplicável se não vemos nela a recusa da via em que a chefia engajava a sociedade, a recusa do poder político isolado, a recusa do Estado; do outro, um discurso profético que identifica o Um como a raiz do Mal e afirma a possibilidade de escapar-lhe. Em que condições é possível pensar o Um? É preciso que, de algum modo, sua presença, odiada ou desejada, seja visível. É por isso que o Um é o Estado. O profetismo tupi-guarani é a tentativa heróica de uma sociedade primitiva para abolir a infelicidade na recusa radical do Um como essência universal do Estado.
(...)
Detenhamo-nos nesta perturbadora evidência: o pensamento dos profetas selvagens e aquele dos gregos antigos pensam a mesma coisa, o Um; mas o índio Guarani diz que o Um é o Mal, ao passo que Heráclito diz que ele é o Bem. Em que condições é possível pensar o Um como Bem?
Voltemos, para concluir, ao mundo exemplar dos Tupi-Guarani. Eis uma sociedade primitiva que, atravessada, ameaçada pela irresistível ascensão dos chefes, suscita em si mesma e libera forças, capazes, mesmo ao preço de um quase-suicídio coletivo, de fazer fracassar a dinâmica da chefia, de impedir o movimento que poderia levar à transformação dos chefes em reis portadores de leis. De um lado os chefes; do outro, e contra eles os profetas: tal é, traçado segundo suas linhas essenciais, o quadro da sociedade tupi-guarani no final do século XV. E a "máquina" profética funcionava perfeitamente bem, uma vez que os karai eram capazes de se fazer seguir por massas surpreendentes de índios fanatizados, diríamos hoje, pela palavra desses homens, a ponto de acompanhá-los até na morte.
(...)
Eles conseguiram realizar, de um só golpe, o "programa" dos chefes! Armadilha da história? Fatalidade que apesar de tudo consagra a própria sociedade primitiva à dependência? Não se sabe. Mas, em todo o mais poder do que os segundos detinham. Então talvez seja preciso retificar a idéia da palavra como oposto da violência. Se o chefe selvagem é obrigado a um dever de palavra inocente, a sociedade primitiva pode também, evidentemente em condições determinadas, se voltar para a escuta de uma outra palavra, esquecendo que essa palavra é dita como um comando: é a palavra profética. No discurso dos profetas jaz talvez em germe o discurso do poder, e sob os traços exaltados do condutor de homens que diz o desejo dos homens se dissimula talvez a figura silenciosa do Déspota.
(...)
Palavra profética, poder dessa palavra: teríamos nela o lugar originário do poder, o começo do Estado no Verbo? Profetas conquistadores das almas antes de serem senhores dos homens? Talvez. Mas, mesmo na experiência extrema do profetismo (porque sem dúvida a sociedade tupi-guarani tinha atingido, por razões demográficas ou outras, os limites extremos que determinam uma sociedade como sociedade primitiva), o que os selvagens nos mostram é o esforço permanente para impedir os chefes de serem chefes e a recusa da unificação; é o trabalho de conjuração do Um, do Estado. A história dos povos que têm um história é, diz-se, a história da luta de classes. A história dos povos sem história (ou, não europeus) é, dir-se-á como ao menos tanta verdade, a história da sua luta contra o Estado.

 CLASTRES, Pierre. “A Sociedade Contra o Estado”. São Paulo, Cosac Naify.

1 de abril de 2014

A Burrice

... ou  o "Dia da Mentira".

Todo burro acha que quem não é fascista, é comunista. Tudo burro acha que quem não é comunista, é fascista. Todo burro odeia os outros "istas", o anti-"ista", o ex-"ista", o a-"ista" e o neo-"ista", já que a história do "ismo" é o próprio sentido do burrismo. Todo burro é acrítico e cheio de certezas, se deixa doutrinar por qualquer ideologia panfletária, acadêmica ou religiosa, adere à mitificação da História, assume posição de clientelismo politico, institucional e social, abraça uma ideologia como religião e segue sua liderança como sacerdote. Tem visão mítica do mundo, visão bitonal da realidade, medo do conhecimento alargado e da experiência factual de suas "idéias". Assim, todo burro padece do retorno de sua própria inexperiência e repousa sobre a ignorância de sua réles cognição binária. Pois todo burro, dentro de sua percepção condiconada e estreita, enxerga o todo complexo somente em preto ou branco, azul ou vermelho, claro ou escuro, bem ou mal, certo ou errado, assim ou assado. E toda burrice tende ao extremismo, ao radicalismo, à polarização, assim como toda burrice tende à covardia e a perversão, contaminada ante ao medo do que desconhece e dominada em temor ante a voz que a comanda e a dita, e portanto é inerentemente insegura e agressiva. Toda burrice tende ao autoritarismo, assim como toda burrice tende à mentira, assim como toda burrice tende à violência, contra tudo que a questione. A burrice não dialoga com o outro, só vê a si mesma e passa por cima de tudo que esteja em seu caminho, de maneira imperativa, arrastando consigo todo o demais e deixando através do tempo seu rastro de sangue, de dor, de morte, de injustiça, de usurpação, de degradação, de mediocridade e de infâmia. Hoje, nesta data tão solene, a burrice é exaltada, conclamada e festejada pelos burros de todos os tipos, de todas nações, de todos os "ismos", de todos os modelos inventados, pelos burros prós e pelos burros contras, como se ambos de fato fossem veramente antagônicos entre si. Assim a burrice escreveu sua história. E assim a burrice se tornou sagrada, idolatrada, imbatível, imortal. Frente à mesma, nos resta a talvez única certeza universal - a de que a Natureza irá cobrá-la um dia, junto de seus tão imensos e obedientes rebanhos, ao final.

(RL)

12 de fevereiro de 2014

O Fascistóide Médio Classista

Exaltam o respeito às leis, à constituição, ao estado democrático de direito, à moral, aos bons costumes, à dignidade humana, mas na verdade são os primeiros à infringí-las e estuprá-las à seu proveito. Estão todos aí, aqui, ao redor, padecendo da secular acefalia violenta autoritária. São as viúvas da ditadura civil-militar, do reich, do fascismo católico e do sistema escravocrata d´outrora. Se todos seguíssemos a tônica do ideário dos atuais fascistóides médio classistas, voltaríamos ao estado de calamitosa barbárie social generalizada ou novamente sob uma ditadura civil-militar.

Dado o exemplo no caso do garoto-negro-trombadinha-viciado-sem-lar que foi espancado, desnudado e garroteado num poste, caso o senso de direito da  mediocracia fosse aplicado à mesma, a tal ilustríssima acadêmica professora doutoura branca loira que enxovalhou e caluniou o advogado no aeroporto do RJ por causa de sua "aparência" amanheceria enforcada e apedrejada no pátio central da PUC-RJ por seu crime de preconceito sócio-econômico (racismo de classe).

Em outro exemplo, os donos e frequentadores de shoppings de luxo, estabelecimentos comercias abertos ao público, assim como os juristas que concederam liminares contra a circulação de cidadãos de periferia (jovens-negros-pobres), amanheceriam algemados nos pilares centrais e chicoteados por crime de racismo e promoção de apartheid-sócio-jurídico.

Os grandes empresários-empreendedores-lobistas-comendadores-sacerdotes-juristas-fazendeiros-parlamentares-oligarcas, supremo modelo das pessoas de bem, amanheceriam todos degolados, carbonizados ou guilhotinados por sonegação milionária de impostos (estimada em 11% do PIB), por fraude exploratória, destruição ambiental, exploração humana e por corrupção ativa-propineira em todos segmentos politico-econômicos e demais práxis criminosas cotidianas do sistema, geradoras da hedionda corrupção social em todos seus níveis.

Afinal, como adora bradar a classe mediana aspirante à elite, "bandido bom é bandido morto". Mas desde que um outro e específico tipo de "bandido" - o de galinhas, o de baixo, o esfarrapado. Percebam o quão vil, sórdido e hipócrita é seu discursinho, renovado e propagado diariamente por sua mídia.

Como disse o filósofo: "contra pessoas desse tipo, não se procura um acordo nem se deve esperar que elas mudem. Luta-se contra elas, sem trégua, até que tenham medo de mostrar sua barbárie na rua e a escondam dentro de suas próprias casas".

Estão todos aí, aqui, ao redor, agindo dentro de sua "normalidade", pisoteando sobre nossa tolerância, dignidade e altruísmo. Adjetivos estes que, na verdade, nunca passaram nem sequer perto de suas miseráveis e medíocres existências mundanas.

(RL)

10 de fevereiro de 2014

Fragmento #1426

A vida é bela. Muito bela. Apesar disso tudo que andam fazendo por aí, ela é mais do que bela. Se não o fosse, eu já teria desistido dela. E é muito, muito mais do que bela para os que ainda enxergam a beleza dela. A vida é realmente bela. Bela é a vida. A vida bela.  (RL)


Kayden + Rain from Nicole Byon on Vimeo.

24 de janeiro de 2014

Brasil - Educação na Ditadura Militar


Educação durante o Governo Médici
“Uma análise da Reforma Educacional de 1971”

"Quando a educação não é libertadora,
o sonho do oprimido é ser o opressor"
Paulo Freire
A trajetória da educação brasileira em seus mais de 500 anos de história - começando com a chegada dos primeiros jesuítas ao país - tem no período da ditadura militar um de seus momentos de maiores mudanças e turbulências. A formulação de significativas reformas educacionais, o surgimento de iniciativas populares (e a perseguição delas), a obra revolucionária de Paulo Freire, a instituição do vestibular nos moldes meritocráticos tal qual conhecemos hoje, a perseguição política de professores e do movimento estudantil, a mercantilização do ensino e o sucateamento ainda não superado de nosso sistema de ensino público, tudo isso está compreendido nas mais de duas décadas em que os militares estiveram no poder.
A política educacional durante este período foi expressa principalmente na forma de duas leis: em 1968, a lei n° 5.540, que tratava da Reforma Universitária, e em 1971, a lei n° 5.692, referente a Reforma do 1° e do 2° grau.
Analisamos aqui um recorte do panorama educacional durante o regime militar, com o foco na análise da segunda lei, de 1971, que regulamentava o ensino básico. 

Contexto
A lei 5.692/1971 foi decretada no período de recrudescimento da ditadura militar no Brasil, sob o governo do então presidente Emílio Garrastazu Médici (1969-1974). Nesta época, a política repressiva que impunha um modelo econômico excludente no país e cerceava a produção cultural estendeu-se para a educação, submetendo-a aos critérios e exigências para alimentar este mesmo modelo (1).
(1) PELEGRINI, Thiago e AZEVEDO, Mário Luiz Neves. A Educação nos anos de chumbo: a Política Educacional ambicionada pela Utopia Autoritária . . (1964-1975) 

Alguns anos antes do golpe, iniciativas educacionais tomaram um espaço central no debate político. Foi em fins da década de 1950 e começo de 1960 que surgiram grandes movimentos para se eliminar o analfabetismo, como a Mobilização Nacional contra o Analfabetismo (Decreto nº 51.470, de maio de 1962), a proposta do Plano Nacional de Educação (PNE, em 1963), a oficialização do sistema Paulo Freire de alfabetização (janeiro de 1964), o Movimento de Cultura Popular (MCP) e o Centro Popular de Cultura (CPC), este criado pela UNE (2).
(2) VELLOSO, Mônica Pimenta. A dupla face de Jano: romantismo e populismo. em O Brasil de JK. FGV Editora, 2a edição. 
No entanto, durante a ditadura tais iniciativas foram paulatinamente ceifadas pela administração política do país - concentrada nas mão do poder executivo - que voltava seus esforços para o crescimento econômico, em detrimento de reformas sociais.
O sistema educacional, neste contexto, foi alvo de mudanças profundas, dado seu potencial crítico no tocante ao amplo debate dos diversos setores sociais acerca do projeto nacional excludente da ditadura militar, voltado ao interesse das elites, da classe média conservadora e do capital estrangeiro.
O controle da educação se fazia necessário aos militares para reprimir o movimento estudantil e instaurar uma disciplina que instigasse ao patriotismo e promovesse o esvaziamento do plural debate democrático, tolhendo qualquer tipo de oposição ao projeto excludente em voga.
A exemplo disto, no mesmo ano em que os militares tomaram de assalto o poder, foi decretada a lei n° 4.464, que colocava na ilegalidade as entidades estudantis.
“A Lei n° 4.464, de 9 de novembro de 1964, conhecida como Lei Suplicy de Lacerda, colocou as entidades estudantis, como União Nacional dos Estudantes (UNE), na ilegalidade e instituiu como forma legal o funcionamento do Diretório Acadêmico (DA), restrito a cada curso, e o Diretório Central dos Estudantes (DCE), no âmbito da universidade, procurando eliminar a representação estudantil em nível nacional na sociedade, bem como qualquer tentativa de ação política independente por parte dos estudantes”. (3)
(3) LIRA, Alexandre Tavares do Nascimento. Reflexões sobre a legislação de educação durante ditadura militar (1964-1985).
Já em termos de formação acadêmica, o foco passou a ser o investimento em “capital humano” que se adequasse aos moldes de produção internacional que o governo intentava importar. Como exemplo deste aspecto, tem-se a lei nº 4.440, também decretada no ano do golpe, que instituía uma contribuição financeira, dada pelas empresas, para a escolarização de seus funcionários. Embora facilitar o acesso à educação seja uma questão fundamental na história do país, no caso, a lei mostra o atrelamento da agenda educacional ao mercado de trabalho, ao qual o ensino deveria “alimentar”.
“Em outubro de 1964, a Lei nº 4.440 instituiu o salário-educação, proveniente de recursos das empresas. O salário-educação foi a forma de contribuição das empresas para a escolarização de seus empregados. Assim, estaria de acordo com a Lei a empresa que oferecesse ensino primário gratuito ou transferisse os recursos para o Estado através de 2,5%, fundindo-se as alíquotas estaduais e federais”.
(4) LIRA, Alexandre Tavares do Nascimento. Reflexões sobre a legislação de educação durante ditadura militar (1964-1985). 

Antecedentes
Para entender mais a fundo as mudanças implementadas pela lei de 1971, é necessário estabelecer o cenário da educação antes dela entrar em vigor.
O sistema educacional brasileiro vigia sob normas herdadas desde o período Vargas, e mais recentemente organizadas pela LDB de 1961.
Ao concluir o ensino primário, o estudante deveria prestar uma prova de admissão para ingressar no ensino médio, como forma de comprovar um aprendizado satisfatório. (5)
(5) FRATTINI, Ritta Minozzi. A implantação da Reforma do Ensino de 1o e 2o Graus no Estado de São Paulo Nas Páginas da Imprensa (1971-1982)
Além disso, havia o ensino técnico-profissionalizante (normal, industrial, comercial e agrícola), que não oferecia acesso a cursos superiores e era voltado para as camadas populares. Essa divisão detinha um caráter extremamente excludente, expresso principalmente no exame exigido para o ingresso no ensino médio acadêmico, uma barreira para a continuação dos estudos. Assim, à elite era reservada a educação intelectual, voltada principalmente as áreas de humanas, enquanto à maior parte da população ficava o ensino técnico, associado ao trabalho braçal e a terminação dos estudos.
A implementação da primeira LDB em 1961 foi marcada por um debate público que mobilizou setores significativos da população durante os 13 anos em que a lei esteve na pauta das discussões. Neste período, mais de quatro presidentes se sucederam no poder, até a lei ser definida sob o governo de João Goulart. (6)
(6) MANDELLI, Mariana. Os 50 anos da maior lei brasileira para a educação. O Estado de S. Paulo. Brasil, 23 jan. 2012
A LDB de 1961 permitiu um acesso maior ao nível secundário, com o afrouxamento dos exames de admissão para o ensino médio. Os debates para sua implementação foram marcados por duas oposições: entre os que lutavam pelo ensino público contra os que defendiam a iniciativa particular e a disputa entre a centralização e descentralização de ensino. No primeiro caso, chegou-se a um meio termo, abrindo-se espaço para iniciativas privadas de educação. No segundo, decidiu-se pela descentralização do ensino.
Ao fim, a LDB dividiu o ensino em duas etapas: o primário, com quatro anos de duração, e o médio, que compreendia o ginasial, de quatro anos, e o colegial, com mais três ou quatro anos.
Esta etapa continuava dividida entre acadêmica e técnica, porém agora ambos permitiam o acesso ao ensino superior, embora isso não fosse o suficiente para que a educação deixasse de ser elitista e excludente. 

Comissão Meira Mattos
Por encomenda do executivo federal e com o intuito de intervir na universidade e propor medidas relacionadas aos “problemas estudantis” que serviriam de roteiro “seguro” para sua solução, tendo em vista os princípios democráticos dos movimentos estudantis e a relação desses com o aprendizado universitário e o contexto jurídico, foi criada durante o Governo Costa e Silva a chamada “Comissão Meira Mattos” que recebeu o nome do coronel responsável pela mesma. Tal trabalho foi realizado entre 11 de janeiro a 08 de abril de 1968, o que resultou no chamado Relatório da Comissão Meira Mattos. Nas próprias palavras de Meira Mattos:
“A crise recente era aguda. Mas a crise era antiga. A crise recente era aguda, pois foi num período que houve muita agitação ideológica. Os estudantes estavam muito rebeldes. Havia um problema muito sério na educação da época, que era o problema do excedente. Muita gente que fazia o vestibular aprovado, mas não havia vaga. No ano de 1963, o número de estudantes acadêmicos no Brasil era pouco mais de 100 mil, compreendeu? E o que havia de excedente era uma coisa incrível. Não havia vagas. E o pessoal ficava inquieto, fazia perturbação da ordem e lutava por vagas. E isto era acompanhado de greves. O problema foi muito tumultuado. A Comissão foi justamente para analisar as causas desta crise. E não propriamente o conteúdo do ensino. E essas causas que eu coloquei no meu relatório compreendem treze pontos. E esses doze ou treze pontos quase todos através dos tempos foram resolvidos. Agora, durante os governos militares a população acadêmica passou de cerca de 100 mil para um milhão.” (8)
(8) Entrevista concedida a Otávio Luiz Machado, mestrando em Sociologia pelo PPGS/UFPEno dia 19/12/2003, no Rio de Janeiro - Revista eletrônica Cadernos de História - publicação do corpo discente do Departamento de História da UFOP - Ano I, n.º 2, setembro de 2006.
Em linhas gerais, o Relatório Meira Mattos considerava a necessidade de ampliar o sistema de ensino superior existente, mas, ponderando sobre a “escassez” de recursos e recomendava racionalidade nos investimentos para que pudessem gerar o máximo de rendimento. Os princípios de taylorização presentes nas teorias de administração valorizadas pelos teóricos norteamericanos e brasileiros envolvidos na reforma, introduziram a sistemática de parcelamento do trabalho na universidade. Todavia, se essa dinâmica era relevante para a empresa, para a universidade significou a fragmentação do trabalho, a despolitização e a desarticulação estudantil. Além disso, submetida a novos modelos curriculares e estruturais, foi perdendo seu comportamento crítico e as oportunidades de aprofundamento em conteúdos indispensáveis à compreensão da vida social, das relações sociais e do trabalho e do exercício pleno da cidadania. 

Pontos da Reforma / Mudanças da LDB
Tanto a lei 5.540/68 quanto a lei 5.692/71 se dariam como desdobramentos do estudo anterior da Comissão Meita Mattos.
A Lei 5.540 de 1968 introduzia modificações da LBD, relativas ao ensino universitário, como: extinção da cátedra; unificação do vestibular e aglutinação de faculdades e universidades (maior dinâmica e aproveitamento de recursos materiais e humanos – maior eficácia e produtividade); instituição do curso básico (suprimir deficiências do 2º. Grau); ciclo profissional (cursos de curta e longa duração); integração entre cursos, áreas e disciplinas; nova composição curricular com matrículas por disciplina e instituição do sistema de créditos; e por fim, a nomeação de reitorias e diretorias sem exigência de que os mesmos fossem ligados ao corpo docente universitário, desde que possuíssem “alto tirocínio da vida pública ou empresarial” – mal do qual padecemos até hoje, reforçando o caráter autoritário e antidemocrático da ditadura na participação dos quadros sociais e universitários em suas gestões, direcionamentos e pautas.
No dia 11 de agosto de 1971, foi aprovada a Reforma de Ensino de 1° e 2° graus, lei n° 5.692, que substituiria a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de 1961. A nova lei, sancionada pelo então presidente Emílio Garrastazu Médici, possuía 88 artigos e 8 capítulos ao todo.
Logo no início da Lei, no primeiro artigo, já nota-se a exigência estatal de estabelecer uma formação básica mercadológica/profissionalizante (9):
“Art. 1º: “O ensino de 1º e 2º graus tem por objetivo geral proporcionar ao educando a formação necessária ao desenvolvimento de suas potencialidades como elemento de auto-realização, qualificação para o trabalho e preparo para o exercício consciente da cidadania.”
(9) Esse caráter fica explícito no artigo 76: “A iniciação para o trabalho e a habilitação profissional poderão ser antecipadas: ao nível da série realmente alcançada pela gratuidade escolar em cada sistema, quando inferior à oitava; para a adequação às condições individuais, inclinações e idade dos alunos.”
Com ela, o ensino passou a ser obrigatório dos sete, idade mínima (Art. 19), aos 14 anos (Art. 20), “o ensino de 2º grau terá três ou quatro séries anuais” (Art. 22), sempre deixando claro o “respeito” pelas especificidades locais e um certo tom ufanista com relação ao ensino da língua nacional.
Segundo a filósofa da educação Maria Lúcia de Arruda Aranha (10), “pelo princípio da continuidade procura-se garantir a passagem de uma série para outra, desde o 1º. até o 2º grau, de início centralizando a atenção num núcleo comum de conhecimentos básicos que, no final, cede lugar para a formação específica profissional. Pelo princípio da terminalidade espera-se que, ao terminar cada um dos níveis, o aluno esteja capacitado para ingressar no mercado como força de trabalho”, conforme sua necessidade e condição. Isso é reforçado com a criação do curso supletivo, àqueles que não puderam concluir os estudos regulares propostos.
(10) ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da Educação. 1ª. Ed. Morena, 1989.
Para tal, os currículos deviam constar de uma parte geral e de outra especial. A 2ª. (especial) deveria ser programada conforme a região, espelhando as diferenças econômicas do Brasil entre os setores econômicos primário, secundário e terciário, através de uma lista de sugestões formulada com 130 habilitações possíveis.
Além disto, foram incluídas disciplinas obrigatórias como Educação Física, Educação Moral e Cívica, Educação Artística, Programa de Saúde e “Religião” (esta obrigatória ao estabelecimento de ensino e “opcional” ao aluno). Frente à obrigatoriedade dessas disciplinas, as quais transitam pela sua aplicação de fato entre entretenimento disfarçado e alienante (Educação Artística  - sob regime de extrema repressão e censura)  e doutrinação do regime (Educação Moral e Cívica / Religião, as quais pregavam obediência e submissão à autoridades, forjadoras de uma unidade nacional inverossímil  dado o catastrófico quadro social brasileiro, além de reforço da visão religiosa-mítica, ocultadora da realidade, em contraponto ao estímulo do debate de fato cívico com produto legítimo de qualquer projeto essencial de educação), e outras disciplinas como História e Geografia (essenciais ao desenvolvimento do senso crítico à construção da cidadania e avanços sociais)  tiveram suas cargas cortadas pela metade e aglutinadas numa nova disciplina chamada de Estudos Sociais no 1º grau, sob a justificativa de “falta de espaço na grade”.
Outro ponto de observação é o do MOBRAL (Movimento Brasileiro de Alfabetização – criado em 1967) que reduziu entre 1970 e 1972 a alta taxa de analfabetismo de pessoas de 33% para 28,51%,  entretanto com baixo rendimento frente ao número de inscrições. 

Análise Crítica das Reformas Educacionais / Conclusão
No texto da Reforma de 1971, alguns objetivos são delineados claramente, como a intenção de qualificar alunos para o mercado de trabalho e a consonância da educação com o projeto político e econômico do país, seja pela instrumentalização do ensino voltado para a produção, seja por meio do controle intelectual e da disciplina.
Ao inviabilizar iniciativas de educação popular e reformas universitárias que promoveriam a formação crítica e intelectual da população, como mencionado anteriormente, o governo ordenou o ensino tendo por referência a chamada “Teoria do Capital Humano”.
Seguindo a reforma universitária de 1968, em 1971, as escolas voltaram-se ainda mais ao aprimoramento técnico e a maximização dos resultados.
A Teoria do Capital Humano foi criada pelo economista norte-americano Theodore W. Schultz, ganhador do prêmio Nobel, em meados da década de 1950. Segundo ela, há uma relação direta entre educação, força de trabalho e crescimento econômico. A teoria, assim, reduz a educação a uma mera ferramenta para a formação de recursos humanos voltados ao desenvolvimento de um país, gerando uma concepção tecnicista do ensino. Além disso, ela legitima a ideia de que os investimentos em educação sejam determinados pelos critérios do investimento capitalista, uma vez que a educação é considerada como fator econômico essencial para o desenvolvimento de um país.
No Brasil, esta teoria já estava latente quando foram firmados os acordos MEC-USAID entre 1964 e 1968. Estes foram uma série de tratados estabelecidos entre o Ministério da Educação (MEC) e a United States Agency for International Development (USAID), visando assistência técnica e financeira à educação brasileira. Assim, objetivava-se uma reorientação do sistema educacional nacional, voltado-o para o desenvolvimento capitalista internacional.
A Teoria do Capital Humano, em contrapartida, foi também responsável por uma movimentação em prol da universalização do ensino, uma vez que havia interesse na formação de uma força de trabalho. As provas de admissão para o ensino médio se tornaram mais brandas e os índices de aprovação subiram, ao passo que as escolas, que agora recebiam um número consideravelmente maior de alunos, deram seus primeiros sinais de saturação da infraestrutura e falta de preparo de professores.
Na prática, a obrigatoriedade de oito anos tornava-se parcialmente ineficaz, quando analisado o quadro em relação a recursos financeiros, materiais e humanos que não atendiam a demanda (11). A profissionalização também não se efetivava de fato por falta de professores especializados e infraestrutura inadequada (oficinas, materiais, laboratórios) às exigências dos cursos, sobretudo nas áreas de agricultura e indústria, criando desta forma, não profissionais, mas lançando ao mercado um “exército de reserva” de mão de obra barata.
(11) ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Regime Militar Brasileiro. 2.ed. Petrópolis: Vozes, 1984.- pag. 155
Por outro lado, as escolas particulares (destinadas à formação da elite), apresentavam um programa oficial e formal às exigências legais, porém com um trabalho efetivo de preparação sobretudo ao vestibular, mantendo assim uma continuidade propedêutica na escola da elite e reforçando a questão da seletividade à elite mais bem preparada, reforçando a exclusão social no quadro educativo, e portanto no econômico em vista das políticas em voga.
Também é importante observar que neste período (governo Médici) ocorreu um processo sem precedentes de privatização do ensino, com grande parte criado nos moldes dos sistemas empresariais, não significando igual qualidade pedagógica, com criação indiscriminada de cursos superiores, com predomínio daqueles que requerem menor investimento material e humano e que permitam superlotação de classes. Evidentemente com as faculdades privadas de baixo nível destinadas aos mais pobres, já que os mesmos são “superados” na disputa de vagas das universidades públicas pelos alunos da elite nos vestibulares.

Ao mesmo tempo em que se dava esta profissionalização do ensino, havia um grande esforço referente a questão da disciplina, da ordem social frente ao regime autoritário e violento (uma ditadura militar), do qual o maior exemplo foi a implementação da matéria Educação Moral e Cívica, obrigatória para alunos do 1° e 2° grau. O curso tinha por objetivo “doutrinar” os alunos para o patriotismo, evitando-se assim qualquer tipo de relação social democrática e de oposição ao governo.

Com relação à sua abrangência e eficácia, segundo números oficiais (12), ao final da década de 1970, o índice de anaIfabetismo da população adulta ainda beirava os 25%" e, quanto ao grau de escolaridade das pessoas com mais de 10 anos de idade, cerca de 23% não haviam atingido a completar 1 ano de instrução, e apenas 18,3% haviam atingido ou superado os oito anos de escolaridade previstos pela lei de 1971. Se o acesso à escola básica havia quase se generalizado, mais da metade dos alunos, entretanto, não conseguia sequer completar as duas primeiras séries e menos de 25% completavam o primeiro grau, fosse por evasão ou por repetência, além das baixas taxas de cobertura de educação pré-escolar (7%) e principalmente infantil (creches), mas sobretudo a tão insignificante cobertura do segundo grau – cerca de apenas 15% da faixa etária correspondente (13).
(12)  ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Regime Militar Brasileiro. 2.ed. Petrópolis: Vozes, 1984.- pag. 155
(13) 21 Anos de Regime Militar: Balanços e Perspectivas. Gláucio Ary Dillon Soares, Maria Celina D' Araujo organizadores); Almir Pazzianoto Pinto. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getulio Vargas. 1984.
Estes baixos indicadores sociais em educação nestes níveis, assim como em saúde por exemplo, se correlacionam diretamente com os baixos investimentos em infraestrutura e capacitação profissional de docentes, pois observamos um decrescente percentual do orçamento nacional em educação – de 8,69% em 1969, decaindo progressivamente para 4,95% em 1974, último ano do governo Médici, em plenos “anos de chumbo” (14).
(14)  ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Regime Militar Brasileiro. 2.ed. Petrópolis: Vozes, 1984.- pag. 155
Sem desconsiderar todas estas críticas precedentes, relativamente positivas no quadro “quantitativo” da rede de ensino, e negativamente no fundamental ao focar a análise do caráter tecnocrático da reforma, segundo o qual “eficiência e produtividade” teriam validade por si só, acabando por se sobreporem ao quadro “qualitativo” e aos valores pedagógicos, além de uma suposta pretensa “neutralidade técnica” que propunham administração e planejamento “despolitizados”, camuflando e fortalecendo as estruturas de poder e substituindo a participação democrática pela decisão de poucos, conotando assim essa reforma, aparentemente apolítica, em um projeto essencialmente político, criando-se desta forma um cenário de paulatina alienação política dos jovens, educados exclusivamente para a inserção no mercado de trabalho e acríticos em relação à ditadura violenta, autoritária e antidemocrática implantada, a qual ao propósito de seu projeto exclusor, implicava em amplo e gradual retrocesso relativo aos quadros sociais e econômicos no país.


Ricardo Luiz
Guilherme Felgueiras
Beatriz Montesanti


Bibliografia
PELEGRINI, Thiago e AZEVEDO, Mário Luiz Neves. A Educação nos anos de chumbo: a Política Educacional ambicionada pela “Utopia Autoritária” (1964-1975) em http://www.historiahistoria.com.br/materia.cfm?tb=artigos&id=45
FRATTINI, Ritta Minozzi. A implantação da Reforma do Ensino de 1o e 2o Graus no Estado de São Paulo Nas Páginas da Imprensa (1971-1982) em http://www.athena.biblioteca.unesp.br/exlibris/bd/bar/33004030079P2/2011/frattini_rm_me_arafcl.pdf
MANDELLI, Mariana. Os 50 anos da maior lei brasileira para a educação. O Estado de S. Paulo. Brasil, 23 jan. 2012 em http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,os-50-anos-da-maior-leibrasileira-para-a-educacao,825985,0.htm
LIRA, Alexandre Tavares do Nascimento. Reflexões sobre a legislação de educação durante a ditadura militar (1964-1985). 26 jun. 2009 em http://www.historica.arquivoestado.sp.gov.br/materias/anteriores/edicao36/materia01/
VELLOSO, Mônica Pimenta. A dupla face de Jango: romantismo e populismo. em O Brasil de JK. FGV Editora, 2a edição.
LOMBARDI, José Claudinei; SAVIANI, Dermeval; NASCIMENTO, Maria Isabel Moura (org.). Navegando pela História da Educação Brasileira. Campinas, SP: Graf. FE : HISTEDBR, 2006 em http://www.histedbr.fae.unicamp.br/navegando/index.html
ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Regime Militar Brasileiro. 2.ed. Petrópolis: Vozes, 1984.
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da Educação. 1ª. Ed. Morena, 1989.