Educação durante o Governo Médici
“Uma análise da Reforma Educacional de 1971”
"Quando a educação não é libertadora,
o sonho do oprimido é ser o opressor"
o sonho do oprimido é ser o opressor"
Paulo Freire
A trajetória da educação brasileira em seus mais de 500 anos de história
- começando com a chegada dos primeiros jesuítas ao país - tem no período da
ditadura militar um de seus momentos de maiores mudanças e turbulências. A
formulação de significativas reformas educacionais, o surgimento de iniciativas
populares (e a perseguição delas), a obra revolucionária de Paulo Freire, a
instituição do vestibular nos moldes meritocráticos tal qual conhecemos hoje, a
perseguição política de professores e do movimento estudantil, a
mercantilização do ensino e o sucateamento ainda não superado de nosso sistema
de ensino público, tudo isso está compreendido nas mais de duas décadas em que
os militares estiveram no poder.
A política educacional durante este período foi expressa principalmente
na forma de duas leis: em 1968, a lei n° 5.540, que tratava da Reforma
Universitária, e em 1971, a lei n° 5.692, referente a Reforma do 1° e do 2°
grau.
Analisamos aqui um recorte do panorama educacional durante o regime militar,
com o foco na análise da segunda lei, de 1971, que regulamentava o ensino
básico.
Contexto
A lei 5.692/1971 foi decretada no período de recrudescimento da ditadura
militar no Brasil, sob o governo do então presidente Emílio Garrastazu Médici
(1969-1974). Nesta época, a política repressiva que impunha um modelo econômico
excludente no país e cerceava a produção cultural estendeu-se para a educação,
submetendo-a aos critérios e exigências para alimentar este mesmo modelo (1).
(1) PELEGRINI, Thiago e AZEVEDO, Mário Luiz
Neves. A Educação nos anos de chumbo: a Política Educacional ambicionada pela
Utopia Autoritária .
. (1964-1975)
Alguns anos antes do golpe, iniciativas educacionais tomaram um espaço
central no debate político. Foi em fins da década de 1950 e começo de 1960 que
surgiram grandes movimentos para se eliminar o analfabetismo, como a
Mobilização Nacional contra o Analfabetismo (Decreto nº 51.470, de maio de
1962), a proposta do Plano Nacional de Educação (PNE, em 1963), a oficialização
do sistema Paulo Freire de alfabetização (janeiro de 1964), o Movimento de
Cultura Popular (MCP) e o Centro Popular de Cultura (CPC), este criado pela UNE
(2).
(2) VELLOSO, Mônica Pimenta. A dupla face de Jano:
romantismo e populismo. em O Brasil de JK. FGV Editora, 2a edição.
No entanto, durante a ditadura tais iniciativas foram paulatinamente
ceifadas pela administração política do país - concentrada nas mão do poder
executivo - que voltava seus esforços para o crescimento econômico, em
detrimento de reformas sociais.
O sistema educacional, neste contexto, foi alvo de mudanças profundas,
dado seu potencial crítico no tocante ao amplo debate dos diversos setores
sociais acerca do projeto nacional excludente da ditadura militar, voltado ao
interesse das elites, da classe média conservadora e do capital estrangeiro.
O controle da educação se fazia necessário aos militares para reprimir o
movimento estudantil e instaurar uma disciplina que instigasse ao patriotismo e
promovesse o esvaziamento do plural debate democrático, tolhendo qualquer tipo
de oposição ao projeto excludente em voga.
A exemplo disto, no mesmo ano em que os militares tomaram de assalto o
poder, foi decretada a lei n° 4.464, que colocava na ilegalidade as entidades
estudantis.
“A Lei n° 4.464, de 9 de novembro de
1964, conhecida como Lei Suplicy de Lacerda, colocou as entidades estudantis,
como União Nacional dos Estudantes (UNE), na ilegalidade e instituiu como forma
legal o funcionamento do Diretório Acadêmico (DA), restrito a cada curso, e o
Diretório Central dos Estudantes (DCE), no âmbito da universidade, procurando
eliminar a representação estudantil em nível nacional na sociedade, bem como
qualquer tentativa de ação política independente por parte dos estudantes”. (3)
(3) LIRA, Alexandre Tavares do Nascimento. Reflexões
sobre a legislação de educação durante ditadura militar (1964-1985).
Já em termos de formação acadêmica, o foco passou a ser o investimento
em “capital humano” que se adequasse aos moldes de produção internacional que o
governo intentava importar. Como exemplo deste aspecto, tem-se a lei nº 4.440,
também decretada no ano do golpe, que instituía uma contribuição financeira,
dada pelas empresas, para a escolarização de seus funcionários. Embora
facilitar o acesso à educação seja uma questão fundamental na história do país,
no caso, a lei mostra o atrelamento da agenda educacional ao mercado de
trabalho, ao qual o ensino deveria “alimentar”.
“Em outubro de 1964, a Lei nº 4.440
instituiu o salário-educação, proveniente de recursos das empresas. O
salário-educação foi a forma de contribuição das empresas para a escolarização
de seus empregados. Assim, estaria de acordo com a Lei a empresa que oferecesse
ensino primário gratuito ou transferisse os recursos para o Estado através de
2,5%, fundindo-se as alíquotas estaduais e federais”.
(4) LIRA, Alexandre Tavares do Nascimento. Reflexões
sobre a legislação de educação durante ditadura militar (1964-1985).
Antecedentes
Para entender mais a fundo as mudanças implementadas pela lei de 1971, é
necessário estabelecer o cenário da educação antes dela entrar em vigor.
O sistema educacional brasileiro vigia sob normas herdadas desde o
período Vargas, e mais recentemente organizadas pela LDB de 1961.
Ao concluir o ensino primário, o estudante deveria prestar uma prova de
admissão para ingressar no ensino médio, como forma de comprovar um aprendizado
satisfatório. (5)
(5) FRATTINI, Ritta Minozzi. A implantação da Reforma
do Ensino de 1o e 2o Graus no Estado de São Paulo Nas Páginas da Imprensa
(1971-1982)
Além disso, havia o ensino técnico-profissionalizante (normal,
industrial, comercial e agrícola), que não oferecia acesso a cursos superiores
e era voltado para as camadas populares. Essa divisão detinha um caráter
extremamente excludente, expresso principalmente no exame exigido para o
ingresso no ensino médio acadêmico, uma barreira para a continuação dos estudos.
Assim, à elite era reservada a educação intelectual, voltada principalmente as
áreas de humanas, enquanto à maior parte da população ficava o ensino técnico,
associado ao trabalho braçal e a terminação dos estudos.
A implementação da primeira LDB em 1961 foi marcada por um debate
público que mobilizou setores significativos da população durante os 13 anos em
que a lei esteve na pauta das discussões. Neste período, mais de quatro
presidentes se sucederam no poder, até a lei ser definida sob o governo de João
Goulart. (6)
(6) MANDELLI, Mariana. Os 50 anos da maior lei
brasileira para a educação. O Estado de S. Paulo. Brasil, 23 jan. 2012
A LDB de 1961 permitiu um acesso maior ao nível secundário, com o
afrouxamento dos exames de admissão para o ensino médio. Os debates para sua
implementação foram marcados por duas oposições: entre os que lutavam pelo
ensino público contra os que defendiam a iniciativa particular e a disputa
entre a centralização e descentralização de ensino. No primeiro caso, chegou-se
a um meio termo, abrindo-se espaço para iniciativas privadas de educação. No segundo,
decidiu-se pela descentralização do ensino.
Ao fim, a LDB dividiu o ensino em duas etapas: o primário, com quatro
anos de duração, e o médio, que compreendia o ginasial, de quatro anos, e o
colegial, com mais três ou quatro anos.
Esta etapa continuava dividida entre acadêmica e técnica, porém agora
ambos permitiam o acesso ao ensino superior, embora isso não fosse o suficiente
para que a educação deixasse de ser elitista e excludente.
Comissão
Meira Mattos
Por encomenda do executivo federal e com o intuito de intervir na
universidade e propor medidas relacionadas aos “problemas estudantis” que
serviriam de roteiro “seguro” para sua solução, tendo em vista os princípios
democráticos dos movimentos estudantis e a relação desses com o aprendizado universitário
e o contexto jurídico, foi criada durante o Governo Costa e Silva a chamada “Comissão
Meira Mattos” que recebeu o nome do coronel responsável pela mesma. Tal
trabalho foi realizado entre 11 de janeiro a 08 de abril de 1968, o que
resultou no chamado Relatório da Comissão Meira Mattos. Nas próprias palavras
de Meira Mattos:
“A crise
recente era aguda. Mas a crise era antiga. A crise recente era aguda, pois foi
num período que houve muita agitação ideológica. Os estudantes estavam muito
rebeldes. Havia um problema muito sério na educação da época, que era o
problema do excedente. Muita gente que fazia o vestibular aprovado, mas não
havia vaga. No ano de 1963, o número de estudantes acadêmicos no Brasil era
pouco mais de 100 mil, compreendeu? E o que havia de excedente era uma coisa
incrível. Não havia vagas. E o pessoal ficava inquieto, fazia perturbação da ordem
e lutava por vagas. E isto era acompanhado de greves. O problema foi muito
tumultuado. A Comissão foi justamente para analisar as causas desta crise. E
não propriamente o conteúdo do ensino. E essas causas que eu coloquei no meu
relatório compreendem treze pontos. E esses doze ou treze pontos quase todos
através dos tempos foram resolvidos. Agora, durante os governos militares a
população acadêmica passou de cerca de 100 mil para um milhão.” (8)
(8) Entrevista
concedida a Otávio Luiz Machado, mestrando em Sociologia pelo PPGS/UFPEno dia
19/12/2003, no Rio de Janeiro - Revista eletrônica Cadernos de História -
publicação do corpo discente do Departamento de História da UFOP - Ano I, n.º
2, setembro de 2006.
Em linhas gerais, o Relatório Meira Mattos considerava a necessidade de
ampliar o sistema de ensino superior existente, mas, ponderando sobre a
“escassez” de recursos e recomendava racionalidade nos investimentos para que
pudessem gerar o máximo de rendimento. Os princípios de taylorização presentes nas teorias de administração valorizadas
pelos teóricos norteamericanos e brasileiros envolvidos na reforma,
introduziram a sistemática de parcelamento do trabalho na universidade.
Todavia, se essa dinâmica era relevante para a empresa, para a universidade significou
a fragmentação do trabalho, a despolitização e a desarticulação estudantil.
Além disso, submetida a novos modelos curriculares e estruturais, foi perdendo
seu comportamento crítico e as oportunidades de aprofundamento em conteúdos
indispensáveis à compreensão da vida social, das relações sociais e do trabalho
e do exercício pleno da cidadania.
Pontos
da Reforma / Mudanças da LDB
Tanto a lei 5.540/68 quanto a lei 5.692/71 se dariam como desdobramentos
do estudo anterior da Comissão Meita Mattos.
A Lei 5.540 de 1968 introduzia modificações da LBD, relativas ao ensino universitário,
como: extinção da cátedra; unificação do vestibular e aglutinação de faculdades
e universidades (maior dinâmica e aproveitamento de recursos materiais e
humanos – maior eficácia e produtividade); instituição do curso básico
(suprimir deficiências do 2º. Grau); ciclo profissional (cursos de curta e
longa duração); integração entre cursos, áreas e disciplinas; nova composição
curricular com matrículas por disciplina e instituição do sistema de créditos;
e por fim, a nomeação de reitorias e diretorias sem exigência de que os mesmos
fossem ligados ao corpo docente universitário, desde que possuíssem “alto
tirocínio da vida pública ou empresarial” – mal do qual padecemos até hoje,
reforçando o caráter autoritário e antidemocrático da ditadura na participação
dos quadros sociais e universitários em suas gestões, direcionamentos e pautas.
No dia 11 de agosto de 1971, foi aprovada a Reforma de Ensino de 1° e 2°
graus, lei n° 5.692, que substituiria a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de
1961. A nova lei, sancionada pelo então presidente Emílio Garrastazu Médici,
possuía 88 artigos e 8 capítulos ao todo.
Logo no início da Lei, no primeiro artigo, já nota-se a exigência
estatal de estabelecer uma formação básica mercadológica/profissionalizante (9):
“Art. 1º: “O ensino de 1º e 2º graus
tem por objetivo geral proporcionar ao educando a formação necessária ao
desenvolvimento de suas potencialidades como elemento de auto-realização, qualificação
para o trabalho e preparo para o exercício consciente da cidadania.”
(9) Esse caráter fica explícito no artigo 76: “A
iniciação para o trabalho e a habilitação profissional poderão ser antecipadas:
ao nível da série realmente alcançada pela gratuidade escolar em cada sistema,
quando inferior à oitava; para a adequação às condições individuais,
inclinações e idade dos alunos.”
Com ela, o ensino passou a ser obrigatório dos sete, idade mínima (Art.
19), aos 14 anos (Art. 20), “o ensino de 2º grau terá três ou quatro séries
anuais” (Art. 22), sempre deixando claro o “respeito” pelas especificidades
locais e um certo tom ufanista com relação ao ensino da língua nacional.
Segundo a filósofa da educação Maria Lúcia de Arruda Aranha (10), “pelo princípio da continuidade
procura-se garantir a passagem de uma série para outra, desde o 1º. até o 2º
grau, de início centralizando a atenção num núcleo comum de conhecimentos básicos
que, no final, cede lugar para a formação específica profissional. Pelo
princípio da terminalidade espera-se que, ao terminar cada um dos níveis, o
aluno esteja capacitado para ingressar no mercado como força de trabalho”, conforme
sua necessidade e condição. Isso é reforçado com a criação do curso supletivo,
àqueles que não puderam concluir os estudos regulares propostos.
(10) ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da
Educação. 1ª. Ed. Morena, 1989.
Para tal, os currículos deviam constar de uma parte geral e de outra
especial. A 2ª. (especial) deveria ser programada conforme a região, espelhando
as diferenças econômicas do Brasil entre os setores econômicos primário,
secundário e terciário, através de uma lista de sugestões formulada com 130 habilitações
possíveis.
Além disto, foram incluídas disciplinas obrigatórias como Educação
Física, Educação Moral e Cívica, Educação Artística, Programa de Saúde e “Religião”
(esta obrigatória ao estabelecimento de ensino e “opcional” ao aluno). Frente à obrigatoriedade dessas disciplinas, as quais transitam pela sua aplicação de fato entre entretenimento disfarçado e alienante (Educação Artística - sob regime de extrema repressão e censura) e doutrinação do regime (Educação Moral e Cívica / Religião, as quais pregavam obediência e submissão à autoridades, forjadoras de uma unidade nacional inverossímil dado o catastrófico quadro social brasileiro, além de reforço da visão religiosa-mítica, ocultadora da realidade, em contraponto ao estímulo do debate de fato cívico com produto legítimo de qualquer projeto essencial de educação), e outras
disciplinas como História e Geografia (essenciais ao desenvolvimento do senso crítico
à construção da cidadania e avanços sociais) tiveram suas cargas cortadas pela metade e
aglutinadas numa nova disciplina chamada de Estudos Sociais no 1º grau, sob a
justificativa de “falta de espaço na grade”.
Outro ponto de observação é o do MOBRAL (Movimento Brasileiro de
Alfabetização – criado em 1967) que reduziu entre 1970 e 1972 a alta taxa de
analfabetismo de pessoas de 33% para 28,51%, entretanto com baixo rendimento frente ao
número de inscrições.
Análise
Crítica das Reformas Educacionais / Conclusão
No texto da Reforma de 1971, alguns objetivos são delineados claramente,
como a intenção de qualificar alunos para o mercado de trabalho e a consonância
da educação com o projeto político e econômico do país, seja pela
instrumentalização do ensino voltado para a produção, seja por meio do controle
intelectual e da disciplina.
Ao inviabilizar iniciativas de educação popular e reformas
universitárias que promoveriam a formação crítica e intelectual da população,
como mencionado anteriormente, o governo ordenou o ensino tendo por referência
a chamada “Teoria do Capital Humano”.
Seguindo a reforma universitária de 1968, em 1971, as escolas
voltaram-se ainda mais ao aprimoramento técnico e a maximização dos resultados.
A Teoria do Capital Humano foi criada pelo economista norte-americano
Theodore W. Schultz, ganhador do prêmio Nobel, em meados da década de 1950.
Segundo ela, há uma relação direta entre educação, força de trabalho e
crescimento econômico. A teoria, assim, reduz a educação a uma mera ferramenta
para a formação de recursos humanos voltados ao desenvolvimento de um país,
gerando uma concepção tecnicista do ensino. Além disso, ela legitima a ideia de
que os investimentos em educação sejam determinados pelos critérios do investimento
capitalista, uma vez que a educação é considerada como fator econômico
essencial para o desenvolvimento de um país.
No Brasil, esta teoria já estava latente quando foram firmados os
acordos MEC-USAID entre 1964 e 1968. Estes foram uma série de tratados
estabelecidos entre o Ministério da Educação (MEC) e a United States Agency for
International Development (USAID), visando assistência técnica e financeira à
educação brasileira. Assim, objetivava-se uma reorientação do sistema
educacional nacional, voltado-o para o desenvolvimento capitalista
internacional.
A Teoria do Capital Humano, em contrapartida, foi também responsável por
uma movimentação em prol da universalização do ensino, uma vez que havia
interesse na formação de uma força de trabalho. As provas de admissão para o
ensino médio se tornaram mais brandas e os índices de aprovação subiram, ao
passo que as escolas, que agora recebiam um número consideravelmente maior de
alunos, deram seus primeiros sinais de saturação da infraestrutura e falta de
preparo de professores.
Na prática, a obrigatoriedade de oito anos tornava-se parcialmente
ineficaz, quando analisado o quadro em relação a recursos financeiros, materiais
e humanos que não atendiam a demanda (11). A profissionalização também não se efetivava de
fato por falta de professores especializados e infraestrutura inadequada
(oficinas, materiais, laboratórios) às exigências dos cursos, sobretudo nas
áreas de agricultura e indústria, criando desta forma, não profissionais, mas lançando
ao mercado um “exército de reserva” de mão de obra barata.
(11) ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição
no Regime Militar Brasileiro. 2.ed. Petrópolis: Vozes, 1984.- pag. 155
Por outro lado, as escolas particulares (destinadas à formação da
elite), apresentavam um programa oficial e formal às exigências legais, porém
com um trabalho efetivo de preparação sobretudo ao vestibular, mantendo assim
uma continuidade propedêutica na escola da elite e reforçando a questão da
seletividade à elite mais bem preparada, reforçando a exclusão social no quadro
educativo, e portanto no econômico em vista das políticas em voga.
Também é importante observar que neste período (governo Médici) ocorreu
um processo sem precedentes de privatização do ensino, com grande parte criado
nos moldes dos sistemas empresariais, não significando igual qualidade
pedagógica, com criação indiscriminada de cursos superiores, com predomínio daqueles
que requerem menor investimento material e humano e que permitam superlotação
de classes. Evidentemente com as faculdades privadas de baixo nível destinadas
aos mais pobres, já que os mesmos são “superados” na disputa de vagas das universidades
públicas pelos alunos da elite nos vestibulares.
Ao mesmo tempo em que se dava esta profissionalização do ensino, havia
um grande esforço referente a questão da disciplina, da ordem social frente ao
regime autoritário e violento (uma ditadura militar), do qual o maior exemplo
foi a implementação da matéria Educação Moral e Cívica, obrigatória para alunos
do 1° e 2° grau. O curso tinha por objetivo “doutrinar” os alunos para o
patriotismo, evitando-se assim qualquer tipo de relação social democrática e de
oposição ao governo.
Com relação à sua abrangência e eficácia, segundo números oficiais (12), ao final da década de 1970, o
índice de anaIfabetismo da população adulta ainda beirava os 25%" e,
quanto ao grau de escolaridade das pessoas com mais de 10 anos de idade, cerca
de 23% não haviam atingido a completar 1 ano de instrução, e apenas 18,3%
haviam atingido ou superado os oito anos de escolaridade previstos pela lei de
1971. Se o acesso à escola básica havia quase se generalizado, mais da metade
dos alunos, entretanto, não conseguia sequer completar as duas primeiras séries
e menos de 25% completavam o primeiro grau, fosse por evasão ou por repetência,
além das baixas taxas de cobertura de educação pré-escolar (7%) e
principalmente infantil (creches), mas sobretudo a tão insignificante cobertura
do segundo grau – cerca de apenas 15% da faixa etária correspondente (13).
(12) ALVES,
Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Regime Militar Brasileiro. 2.ed.
Petrópolis: Vozes, 1984.- pag. 155
(13) 21 Anos de Regime Militar: Balanços e
Perspectivas. Gláucio Ary Dillon Soares, Maria Celina D' Araujo organizadores);
Almir Pazzianoto Pinto. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getulio Vargas.
1984.
Estes baixos indicadores sociais em educação nestes níveis, assim como em
saúde por exemplo, se correlacionam diretamente com os baixos investimentos em
infraestrutura e capacitação profissional de docentes, pois observamos um
decrescente percentual do orçamento nacional em educação – de 8,69% em 1969,
decaindo progressivamente para 4,95% em 1974, último ano do governo Médici, em
plenos “anos de chumbo” (14).
(14) ALVES,
Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Regime Militar Brasileiro. 2.ed.
Petrópolis: Vozes, 1984.- pag. 155
Sem desconsiderar todas estas críticas precedentes, relativamente
positivas no quadro “quantitativo” da rede de ensino, e negativamente no
fundamental ao focar a análise do caráter tecnocrático da reforma, segundo o
qual “eficiência e produtividade” teriam validade por si só, acabando por se
sobreporem ao quadro “qualitativo” e aos valores pedagógicos, além de uma
suposta pretensa “neutralidade técnica” que propunham administração e
planejamento “despolitizados”, camuflando e fortalecendo as estruturas de poder
e substituindo a participação democrática pela decisão de poucos, conotando
assim essa reforma, aparentemente apolítica, em um projeto essencialmente político,
criando-se desta forma um cenário de paulatina alienação política dos jovens,
educados exclusivamente para a inserção no mercado de trabalho e acríticos em
relação à ditadura violenta, autoritária e antidemocrática implantada, a qual ao
propósito de seu projeto exclusor, implicava em amplo e gradual retrocesso relativo
aos quadros sociais e econômicos no país.
Guilherme Felgueiras
Beatriz Montesanti
Bibliografia
PELEGRINI,
Thiago e AZEVEDO, Mário Luiz Neves. A Educação nos anos de chumbo: a Política Educacional
ambicionada pela “Utopia Autoritária” (1964-1975) em http://www.historiahistoria.com.br/materia.cfm?tb=artigos&id=45
FRATTINI,
Ritta Minozzi. A implantação da Reforma do Ensino de 1o e 2o Graus no Estado de
São Paulo Nas Páginas da Imprensa (1971-1982) em http://www.athena.biblioteca.unesp.br/exlibris/bd/bar/33004030079P2/2011/frattini_rm_me_arafcl.pdf
História
Portal MEC: http://portal.mec.gov.br/?option=com_content&view=article&id=2&Itemid=171
MANDELLI,
Mariana. Os 50 anos da maior lei brasileira para a educação. O Estado de S.
Paulo. Brasil, 23 jan. 2012 em http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,os-50-anos-da-maior-leibrasileira-para-a-educacao,825985,0.htm
LIRA,
Alexandre Tavares do Nascimento. Reflexões sobre a legislação de educação
durante a ditadura militar (1964-1985). 26 jun. 2009 em http://www.historica.arquivoestado.sp.gov.br/materias/anteriores/edicao36/materia01/
VELLOSO,
Mônica Pimenta. A dupla face de Jango: romantismo e populismo. em O Brasil de
JK. FGV Editora, 2a edição.
LOMBARDI,
José Claudinei; SAVIANI, Dermeval; NASCIMENTO, Maria Isabel Moura (org.). Navegando
pela História da Educação Brasileira. Campinas, SP: Graf. FE : HISTEDBR, 2006
em http://www.histedbr.fae.unicamp.br/navegando/index.html
ALVES,
Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Regime Militar Brasileiro.
2.ed. Petrópolis: Vozes, 1984.
ARANHA,
Maria Lúcia de Arruda. História da Educação. 1ª. Ed. Morena, 1989.