21 de dezembro de 2011

Esporte & Racismo

Por Ricardo Luiz

Reflexões históricas sobre a questão da Inclusão Social
 
É senso comum atual o mote político e marqueteiro do esporte como inclusão social. Mas é preciso tratar aqui de uma questão nada explícita e muitas vezes até desprezada neste contexto.  Afinal, quem e quais são os inclusos?  De qual forma? De qual e para qual sociedade ou casta da mesma, e por quais interesses e objetivos?  

Esporte na Antiguidade
No esporte, assim como nas mais diversas áreas da cultura humana, observamos historicamente sua utilização de propagação e reprodução das ideologias vigentes através do mesmo sobre as sociedades diversas em sua prática e sua coletividade. Expoente das ideologias de poder desde a antiguidade, o esporte atuou como reprodutor da cultura militar na Grécia antiga em seu cerne através das olimpíadas, onde a maioria das modalidades reproduzia a escola militar grega da época (lutas corporais e armadas, saltos, marchas, corridas de assalto, arremessos de lanças, etc). Foi instrumento de controle social das massas populares através da política do “pão e circo” (panis et circenses) dos imperadores e senadores da Roma antiga através dos jogos de gladiadores, atenuando a insatisfação popular contra os governantes através de espetáculos abertos e gratuitos à plebe. Trascorreu a idade média impulsionando as cruzadas cristãs contra os muçulmanos e judeus, representado através das “justas” (combates armados de cavalaria e infantaria) e evoluiu a seu formato popular na idade moderna através dos desportos de competição, atingindo  a sociedade contemporânea   capitalista com seu aparato industrial de mercados de consumo.

No último século (XX), além de reproduzir as ideologias de poder no âmbito social, o esporte também acompanha e se incorpora às transformações sociais, políticas e econômicas numa mesma dinâmica na qual se desenvolvem sua indústria, seu público alvo de consumo, sua demanda comercial e as oportunidades que vinculam sua penetração social pela mídia global de propaganda em massa.

Enquanto alienará as massas, desviando o foco das questões centrais sócio-político-econômicas e canalizando a atenção e o fervor dos anseios populares (sucessivamente frustrados pelo establishment) para dentro das quadras, arenas e estádios (retransmitidos agora em tempo real pelo moderno aparato tecnológico de comunicação e desinformação em massa), também servirá eventualmente de instrumento a alguns de seus personagens que conscientes sobre suas reais condições dentro das lacunas deixadas pelas mesmas tais ideologias (conforme observado por Marx), num revés do qual se servirão do mesmo holofote do espetáculo de alienação para resgatar a tona tais questões veladas à sociedade, em episódios e atos de conscientização individual e coletiva sobre as mesmas.

Com a formação da classe proletária dentro do capitalismo industrial e ampla difusão dos esportes no âmbito social, tal dinâmica ideológica atuará elitizando algumas modalidades em detrimento a vulgarização de outras, conforme valores e tradições da classe dominante. Estarão condicionadas à segregações ou  inclusões diversos fatores, como etnia, sexo/gênero, classe social,  nacionalidade, conforme a serventia de seu caráter às transformações do mercado esportivo.

A questão racial no esporte atravessará e acompanhará a própria história da luta das castas étnicas segregadas em defesa de seus direitos civis no século XX. Americanos afro-descentes a princípio serão vetados das práticas e competições oficiais, ditadas pelas elites sócio-econômicas caucasianas, ao passo em que estas oportunamente estruturarão um mercado de entretenimento e profissionalizarão o esporte, fundando clubes e ligas profissionais.
Arthur Friedenreich
No Brasil, um dos pioneiros a perfurar a barreira do “mito da democracia racial” foi Arthur Friedenreich, quando em 1919 o Brasil venceu o Uruguai por 1 a 0 e se sagrou campeão sulamericano. Friedenreich, autor do gol e filho de um alemão e de uma lavadeira negra, para cometer a imprudência e o delito de vir a jogar na primeira divisão durante vinte e seis anos sem jamais ter recebido um centavo, tinha que alisar seu cabelo no vestiário e se “clarear” com pó de arroz para ser tolerado entre o escrete branco, enquanto a liga metropolitana de futebol carioca (fundada em 1905) ostentava em seu estatuto a proibição de inscrição de atletas negros na mesma. Nos anos 30, segundo depoimentos de jogadores negros atuantes da época, havia uma convenção velada de uma cota permitida de no máximo três jogadores negros por equipe, convenção que só seria rompida a partir do time do Santos da era Pelé.

Relações de poder político-sociais seriam reproduzidas ideologicamente em similar escala também no cenário político nacional e intercontinental através do esporte. Quando o “time mito do Santos da era Pelé” (fundado por uma elite da cidade homônima em 1912) iniciou em 1966 a primeira de três excursões profissionais de exibição que faria pela África nos quatro anos seguintes exibindo Pelé como a maior estrela do esporte de todos os tempos, o “time mito” seria também utilizado por seus “contratantes” com interesses políticos na região, a exemplo da Costa do Marfim, governada por uma ditadura de partido único representante das elites locais desde sua independência em 1960, assim como no Senegal na 2ª.excursão, usando o time por embaixadores brasileiros para promoção de acordos comercias através dos patrocinadores produtores de café brasileiro, assim também como pela Nigéria, com uma exibição contratada pelo governo militar nigeriano em Biafra, ex-província que havia se declarado independente e acabara de ser derrotada e reanexada à Nigéria.

Algumas evidências ideológicas destas relações de poder e segregação racial-intelectual seriam registradas pelas imprensas que cobriram as excursões, a exemplo da africana que se referia a Edson Arantes do Nascimento como “Rei Pelé”, exaltando sua “inteligência e posicionamento eficaz” (racionalidade), em detrimento a imprensa européia que enfatizava exclusivamente sua “magia e seu encanto” (irracionalidade).
Médici e Pelé (1970)
Pelé, modelo máximo e absoluto do “socialmente incluso” através do esporte dentro do mito da democracia racial brasileira, ainda seria vítima de esquemas de manipulação de sua imagem como “ícone do êxito social e econômico brasileiro” pelo governo da ditadura militar brasileira durante e após a conquista do tricampeonato mundial de 1970, amplamente usado como propaganda governamental (política do “pão e circo” usando o futebol como alienador popular frente aos sangrentos anos de chumbo da ditadura) em campanhas publicitárias ao lado do general governante ditador Médici em prol do fraudulento milagre econômico, assim também como por João Havelange para sua reeleição à presidência da FIFA.

Em 1971, ao pronunciar publicamente que estava deixando a seleção brasileira após o tri, notoriamente por questões individuais e pessoais (parar no auge de sua carreira esportiva e se promover na 2ª. fase da mesma como garoto propaganda e empresário), Pelé se viu envolvido num complô difamatório de sua imagem pelos mesmos Médici, Havelange e pela imprensa contra ele. Pelé, que se servira também de muito jogo político (agora através do poder de sua imagem e mito) para garantir a prevalência de sua decisão e autonomia política, declarara seu ato a imprensa em 1976 após toda a fase do embate - “o meu comportamento talvez mostre um caminho a isto”, em referência a seu enfrentamento não violento ao racismo e ao poder dos militares e cartolas, mas como exemplo de êxito civil-social.

Ao passo em que o “mito da democracia racial” começava a se tornar mais explícito e contrastante, o racismo, que no âmbito legal era superficialmente combatido nos países americanos, reproduzia sua prática comum social pela via do esporte, da mesma forma em que a resistência afrodescendente começa a se posicionar contra o mesmo, reflexo da luta secular dos negros pelos direitos civis que se intensificava em meados do século XX.

Nos Estados Unidos, os conflitos raciais se intensificavam na década de 60, assim como os movimentos sociais das comunidades afro-americanas na luta pelos direitos civis, como o surgimento dos “Panteras Negras” em 1966, partido negro revolucionário com finalidade original de patrulhar guetos negros para proteger os residentes dos atos de brutalidade da polícia, tonificava as tensões políticas iniciadas por Malcom X e Martin Luther King na década anterior, um partidário do nacionalismo negro via proposta de separatismo de um estado negro pelo uso da violência, outro em prol da defesa dos direitos de igualdades civis através da não violência, ao melhor estilo pregado por Mahatma Gandhi décadas atrás.
Muhamad Ali e
Martin Luther King
O pan-africanismo, ideologia de união de todos os povos de África com a unidade política de toda a África e o reagrupamento das diferentes etnias divididas pelas imposições dos colonizadores, ganhava seus grandes ativistas políticos contra o racismo dentro do esporte, como exemplo de Muhammad Ali (considerado o maior pugilista de todos os tempos), que se posicionava politicamente como lutador africano, como no episódio de sua reconquista do título em 1974 contra George Foreman em luta promovida no Zaire, jogando Foreman contra a opinião pública devido a sua falta de engajamento e personificação da alienação negra americana. Ali, que havia assumido posição de mártir pan-africano em 1967 ao se recusar a lutar na Guerra do Vietnã, sendo preso, com a revogação do seu título e proibido de atuar por três anos e meio no boxe. "Nenhum vietcongue me chamou de crioulo, porque eu lutaria contra ele?", declarou Ali à imprensa no episódio, reforçando seu combate político racial dentro e fora dos ringues.

No ano seguinte, culminaria outro protesto simbólico de alcance global expressando a conscientização do movimento social dentro do esporte, desta vez nos jogos Olímpicos de 1968 no México. A ideia de um boicote aos jogos pela comunidade esportiva afro-americana vinha tomando força desde 1965 juntamente com os conflitos raciais intensificados em questão, trazendo em seu ideário a ruptura e radicalização dos atletas negros que rejeitaram a herança de seus ex-campeões pela falta de engajamento e alienação aos movimentos das minorias étnicas, rejeitando a separação entre as esferas esportivas e políticas e rompendo o mito da harmonia social dentro do esporte.

Consolidava-se a formação do Projeto Olímpico para os Direitos Humanos ou OPHR, organização criada pelo sociólogo Harry Edwards entre outros, organização contra a segregação racial norte-americana, sul-africana e no esporte em geral, cujas reivindicações centrais eram: devolução do título a Muhammad Ali, demissão do presidente do comitê olímpico norte-americano e a inclusão de técnicos e dirigentes negros nas equipes e comitê olímpicos.
Tommie Smith e John Carlos
em saudação "Black Power"
aos Panteras Negras
(Jogos Olímpicos do México 1968)

Apesar do movimento ter contado com baixa adesão em seu meio devido a repressão e ameaças do comitê às vésperas da olimpíada, os velocistas Tommie Smith e John Carlos, que durante os jogos de 1968, ao subirem ao pódio após conquistarem ouro e bronze nos 200 metros rasos, ao receberem as medalhas levantaram seus braços esticados com as mãos cobertas por luvas negras e punhos fechados (saudação "black power" do partido revolucionário negro dos Panteras Negras), em protesto pela segregação racial e apoio ao movimento negro em seu país, abaixando a cabeça enquanto o hino nacional tocava no estádio, reforçando sua postura nacionalista afro-americana. Após o ato, transmitido ao vivo pela televisão para o mundo todo, os dois foram expulsos da delegação americana e da vila olímpica e estigmatizados como “anti-patrióticos” pelo aparato da mídia elitista norte-americana. Segundo Alexandre Roos, o ato obteve um caráter de violência simbólica perante a sociedade norte-americana, ideológica e radicalmente nacionalista em sua formação história.

Na década de oitenta, com a abertura econômica mundial capitalista frente ao fim da guerra fria (queda do comunismo) e dos processos de redemocratização latino-americanos (fim das ditaduras militares), ocorreria a transição do esporte a seu formato contemporâneo do esporte comercial e de entretenimento, num sistema de ligas profissionais, através de contratos publicitários entre times (empresas), mega-corporações de produção de consumo e mídias de comunicação massiva.

Michael Jordan surgiria como novo e mítico ícone do “novo esporte” através do basquetebol (até então considerado uma modalidade marginal, desvalorizado e para negros,  recorrendo ao conceito de esporte étnico), numa inovadora fusão oportunista entre instituições do formato supracitado, representadas então por Chicago Bulls, NBA, Nike e ESPN, revolucionando o mercado do esporte onde os atletas ganhariam mais com o marketing do que propriamente com seus salários, vinculando contratualmente “marcas” à imagem  do atleta – esporte comercial corporativo. Jordan, por um lado, propagará ao social através da mídia o perfil ideológico neoliberal-capitalista moderno (competitivo, agressivo, vitorioso, individual e bem sucedido), e por outro, será o primeiro atleta afro-americano a furar a barreira racial publicitária, esboçando a aparente questão da inclusão étnica social contra o racismo.

Michael Jordan:
Empresário Branco
ou Atleta Cidadão Negro?
Futuramente em sua carreira, Jordan, ícone máximo do êxito social negro do esporte, se encontraria envolto em posições polêmicas que remeteriam diretamente a questão central do sentido de “inclusão social”, como o episódio no qual se recusou a se pronunciar na imprensa sobre escândalos de seu mega patrocinador Nike referentes a trabalho semi-escravo em suas fábricas rotativas da Ásia (constatando as práticas hediondas da economia corporativa globalizada). 

Jordan também viria posteriormente a negar seu apoio a um candidato negro representante da luta pelos direitos civis, se omitindo a questão social negra, sob a justificativa de que “os seus oponentes (do candidato negro) também compravam calçados”, conotando forte caráter de alienação da estrela à questão social, numa visão única e exclusivamente empresarial.

Alexandre Ross observaria ainda no contexto contemporâneo da transição ao esporte profissional de contratos publicitários milionários entre equipes, mega corporações de produção de consumo e mídias de entretenimento massivo, a desmitificação de três âmbitos: a) do esporte isento a segregação – ligas esportivas segregadas; b) fim da segregação nas ligas – que foi adotada por motivos financeiros (lucros) pelos proprietários dos clubes; c) harmonia racial dentro de uma equipe de esporte coletivo – postos de liderança midiáticos ocupados por brancos, postos de maior força física e menos intelecto cedidos aos negros, reproduzindo a estrutura ideológica de segregação racial da sociedade dentro do esporte, ao contrário do mito do esporte como integrador.

Voltando às questões iniciais – “Afinal, quem e quais são os inclusos?  De qual e para qual sociedade ou casta da mesma, e por quais interesses e objetivos?”  - observamos que a inclusão do indivíduo na sociedade qual o cerca, depende direta e indiretamente de vários fatores que não somente a prática esportiva coletiva (senso comum atual), como  a exemplos o contexto ideológico, político, econômico e social ao qual o indivíduo se encontra inserido, acesso e garantia a alimentação, educação e direitos civis, formação cultural,  oportunidade de trabalho,  que formarão o “cidadão” junto do “atleta” num mesmo “indivíduo social”, então integrado efetivamente a uma mesma sociedade igualitária onde o próprio se reconheça e estabeleça relações intrínsecas de via dupla com a mesma, consciente de sua condição e do mundo no qual vive e sobrevive, e não somente lançado à ilusões de “ascensão pelo esporte” projetadas marqueteiramente pela propaganda massiva e interessada às ideologias de poder atuante, acobertando as questões centrais da sociedade global capitalista contemporânea.

Recolher garotos negros pobres das ruas imersos no tráfico, ensinar práticas esportivas, afastá-los das drogas e da violência temporariamente com a promessa de um estrelato esportivo num mercado de trabalho restritíssimo profissionalmente, em meio à observação histórica e toda esta reflexão anterior proposta, tendem a me parecer racionalmente como ações paliativas na sociedade capitalista que não atacam as causas, mas somente camuflam suas consequências. Soluções? Miremos a exemplos factíveis de esporte e sociedade. Pergunte a Fidel.

Ricardo Luiz
Novembro de 2011

Bibliografia:

1. ARMSTRONG, G.; GIULIANOTTI, R. (2004) Footbal in Africa : Conflit, Conciliation  and Community.
2. DARBY, P. (2022) Africa Footbal and FIFA: Politics, Colonialism, and Resistance.London: Frank Cass.
3. REMNICK, D. (2000) O rei do mundo: Muhammad Ali e a ascensão de um herói americano. São Paulo: Compania das Letras.
4. HALBESTRAM, D (1999) Michel Jordan: a história de um campeão e o mundo que ele criou. São Paulo: Editora 34
5. ROOS, A. (2006) Les Athletes africains-americains et les mouvements pour l´egalite raciale. Paris: L Harmattan.
6. GALEANO, E. (2002) Futebol ao Sol e à Sombra. São Paulo: Editora LPM.
7. CHAUÍ, M. (1984) O que é ideologia. São Paulo: Editora Brasiliense

19 de dezembro de 2011

Desafios da Economia Verde

Por Ricardo Abramovay

"Não está afastado o desafio de repensar nossos padrões de consumo, os estilos de vida e o próprio lugar do crescimento econômico nas sociedades"

A eficiência energética do petróleo é, até hoje, inigualável: três colheres contêm o equivalente à energia média de oito horas de trabalho humano. O crescimento demográfico e econômico do século 20 teria sido impossível sem esse escravo barato. No entanto, além de seus efeitos sobre a qualidade do ar nas grandes cidades e dos impactos nas mudanças climáticas globais, seu uso traz um problema adicional.

Cada unidade de energia investida para produzir petróleo nos anos 1940 rendia o equivalente a 110 unidades de energia. Ao longo do século 20, esses retornos foram declinando. A estimativa internacional para exploração em plataformas de alto mar, como o pré-sal, hoje, é de um para dez.

Embora as fontes alternativas de energia estejam se ampliando de maneira espetacular, nada indica que, nos próximos 40 anos, consigam substituir a dependência em que se encontram as maiores economias do mundo de carvão, petróleo e gás. Daí a urgência de acelerar a transição para a economia verde, título de documento lançado em Nairóbi pelo Programa das Nações Unidas sobre Meio Ambiente.

O físico e economista norte-americano Robert Ayres, o nome internacional de maior destaque em ecologia industrial, coordenou o capítulo sobre indústria desse documento. O desafio mais importante da economia verde, a seu ver, consiste em reformar a gestão do atual sistema, baseado na economia fóssil, para que se dobre o montante de energia que se extrai de um barril de petróleo (ou do equivalente em termos de carvão ou de gás).

É para enfrentar esse desafio que deve se voltar o essencial do processo de inovação industrial nas sociedades contemporâneas.

Ayres calcula que o sistema econômico desperdiça nada menos que 80% da energia extraída da Terra.

É apenas um indicativo do potencial da reciclagem e da reutilização industriais para atenuar a conhecida escassez de energia e de matérias-primas.

No coração da economia verde está um esforço de desenho industrial, não apenas no interior de cada empresa, mas na própria relação entre empresas: parques tecnológicos devem se converter em parques ecológicos, garantindo a simbiose no uso de materiais e energia entre diferentes indústrias, como já ocorre, por exemplo, na Dinamarca.

Esse é um exemplo dos promissores processos capazes de promover um relativo descasamento entre o crescimento da produção e o uso de materiais e energia em que, até aqui, ela se apoia.

Mas até onde vai esse descasamento? É verdade que cada unidade de produto hoje é obtida com o uso de menos materiais e energia, e até com menos emissões de gases de efeito estufa que há alguns anos.

Em 2002, cada unidade do PIB mundial foi produzida, em média com 26% menos de recursos materiais que em 1980. Caiu a intensidade material da produção de riqueza. No entanto, o crescimento do PIB mundial compensou esse ganho de eficiência: apesar do declínio relativo, o consumo absoluto de materiais aumentou 36%.

E o horizonte 2002/2020 é de que o aumento na produtividade por unidade de produto seja contrabalançado por um consumo quase 50% maior de materiais, com um impacto devastador sobre o clima e sobre os ecossistemas.

Portanto, apesar da importância estratégica de que a economia verde ocupe o centro da inovação, isso não afasta o desafio de repensar os padrões de consumo, os estilos de vida e o próprio lugar do crescimento econômico, como objetivo autônomo, nas sociedades contemporâneas. Inovação e limite são as duas palavras-chave da economia verde.


Ricardo Abramovay é professor titular do Departamento de Economia da FEA e do Instituto de Relações Internacionais da USP, coordenador de seu Núcleo de Economia Socioambiental, pesquisador do CNPq e da Fapesp. Site: www.abramovay.pro.br/