29 de outubro de 2013

A Cor da Violência Policial


Notícias seculares - SP: adolescente morto por PM é enterrado sob comoção e revolta

"Sérgio Martins, vizinho de Douglas, disse que presenciou a abordagem policial. "Eu estava sentado na frente de um bar e vi a polícia passando. De repente, eles voltaram, e, quando pararam, já ouvi o tiro. Ninguém falou nada antes do disparo. A única coisa que eu ouvi depois foi o Douglas dizendo: 'por que o senhor atirou em mim?'", disse ele."

"Helena Martins Santana, avó materna do garoto, lembrou que há 20 anos perdeu seu filho de maneira semelhante. "Também foi em um domingo e enterramos o corpo dele na segunda-feira. Foi só porque meu neto era pobre. Eu perdi meu filho de 18 anos do mesmo jeito. Morto pela polícia. Ele não fez nada de errado", disse ela."

Os neo capitães do mato agem novamente. E de novo. E de novo. E novamente, a mando de um estado representado e controlado por uma histórica classe senhorial, suportada por um eleitorado classistamente mediano, sobretudo em regiões mais conservadoras e reacionárias do país, como o estado de São Paulo.

As estatísticas, ocultadas pela mídia oligárquico-senhorial neo feitora, apontam para genocídio sistemático. A violência, militarizada, deliberada, abusiva e disfarçada de autoridade ordeira, além de práxis cotidiana bem conhecida pelas periferias brasileiras, espelha a corrosão de valores aparentes de tutela social do Estado e a corrupção que permeia toda a hierarquia institucional do Estado brasileiro.

O perfil das vítimas é sempre o mesmo: jovem, preto, pobre. Segundo estudos atuais, existe racismo institucional no país, expresso principalmente nas ações da polícia, mas que reflete o desvio comportamental presente em diversos outros grupos, inclusive aqueles de origem dos seus membros.

Em meio à essa guerra ocultada, todo e qualquer levante popular contra a barbárie policial racista será sempre criminalizado e deslegitimado quando narrado através da boca do feitor midiático, capataz de sinhozinho estatal e privado. Afinal, quilombo é quilombo e resistirá em toda e qualquer estrutura sócio-político-ideológica exclusora, violenta e racista.

Sinhozinho é bom negócio para feitor. Feitor é bom negócio para capitão do mato. Carne preta da neo senzala é bom negócio para neo engenho de sinhozinho, feitor e capitão do mato. Estes, gente do bem, contra o mal inventado por eles, em seu podre negócio mundano. E de novo. E de novo. E novamente.
 
Até quando?


(RL)

28 de outubro de 2013

Dez Mil Galáxias...

... através de um olhar do telescópio Hubble.
 
 
"Dois homens olham pela mesma janela.
Um vê a lama. O outro vê as estrelas."
 
Frederick Langbridge

15 de outubro de 2013

Professor


“- Bombeiro!”
Essa foi  a resposta que dei durante toda minha infância e até o início da adolescência, quando questionado sobre “o que queria ser quando crescer”. Não, eu não queria ser soldado. Nem engenheiro, nem magistrado. Eu não queria ser jogador de futebol na Europa. Também não queria ser qualquer tipo de celebridade, como a maioria das crianças, hoje. E tão pouco pensava materialmente no futuro (vida adulta monetária). Ainda não havia sido adestrado a isso, a “vida” ainda não havia sido ditada à mim como uma regra do sistema, fora e apartada do presente, como uma contínua promessa futura. As crianças, dentro de sua brutal e livre sinceridade (vista como defeito a ser socialmente reparado) realmente dizem quem são quando dizem o que querem fazer de suas vidas.
Cresci num bairro de periferia, onde vivo até hoje. Filho de operário e professora, com mais dois irmãos pra rachar um quarto. Muitas contas à vencer, casa comprada em centenas de prestações, grana dos pais contada pras despesas do mês, aluno de escola pública, arroz, feijão e ovo no cardápio diário (aos fins de semana tinha carne) e um par de tênis apenas no armário (o qual muitas vezes era perseguido pelo maldito furo na sola), jogando bola e fubeca com os moleques na rua e no terrão perto de casa como diversão (algo hoje inconcebível ao paulistanóide médio).
Terminando o ensino fundamental (ginásio, como era chamado na época), meu pai teve comigo a velha conversa que todo pai operário tem com seu filho sobre o futuro, o presente, a condição, a realidade do sistema e a necessidade de trabalhar o quão antes para ajudar financeiramente em casa. Foi quando me foi posto e aberto o “menu das profissões” à minha frente - eu, um garoto de 13 anos de idade tendo que “escolher” o que fazer pelo resto de minha curta e breve existência.
Nessa altura do campeonato (adolescência) eu a havia descoberto e havia me apaixonado de corpo e alma pela música, mais propriamente o rock, através de discos dos Beatles abandonados pelos meus tios na casa de meus avós. Eram os anos 80, os gloriosos anos do rock, do heavy metal e do punk por nossas terras, e havia decidido que queria ser músico. Só havia um pequeno problema - “bombeiro” e “músico” não constavam na lista das profissões de sucesso financeiro do cardápio profissional convencional do sistema "produtivo".
Pois afinal, salvar vidas e animar seus espíritos não geram lucro nesse mundo inventado pelos senhores de nosso tempo.
Filho de peão arremessado à concorrência no sistema de ensino médio técnico público, passei em três vestibulinhos de três gloriosas e excitantes carreiras profissionais – informática, eletrônica e química. (lembre-se: eu queria ser bombeiro ou músico). Com um totozinho do velho, acabei optando pela informática ("a profissão do futuro!", nos anos 80). Daí pra frente, foram quase duas décadas de história. Uma história de uma carreira “bem sucedida” no plano material e de frustração/insatisfação pessoal, como a da imensa maioria das pessoas arremessadas e coagidas às restrições existenciais do mercado de trabalho do sistema produtivo (ou destrutivo) atual.
Curioso é que meu primeiro emprego nesta área (oxalá, hoje noutra), talvez tenha sido o melhor de todos. Por acaso do destino, meu primeiro emprego viria a ser o de “professor”. De informática, claro (fazer o quê?), nesses cursos de microcomputação (que era novidade no final dos ´80). Também curiosamente, com meu 1º. salário deste trabalho, comprei meu primeiro instrumento musical, vindo a me tornar músico, paralelamente ao meu emprego financeiro. Alguns anos mais tarde, e paralelamente também (sempre vivi múltiplas vidas em uma), me tornei professor voluntário numa ONG assistencial numa favela próxima à meu bairro, com um projeto de educação cultural à molecada carente de famílias pobres.
Parece que a profissão de professor insistia em cruzar meu caminho. E olhando bem, nada mais natural. Afinal, eu queria ser bombeiro - salvar vidas, ajudar pessoas. E nesse outro rumo descobri um trabalho verdadeiramente útil. Útil à mim, ao próximo, à sociedade e à Terra. Útil à tudo e à todos, sobretudo na carreira de Humanidades, à qual me dediquei após amargos 20 anos no mercado corporativo de informática em segmentos dos setores financeiros e de serviços. Nesta nova profissão descobri mais que um trabalho. Nela, descobri uma missão, uma atuação de muita responsabilidade com a comunidade (conceito em extinção no sistema individual competitivo) e de muita satisfação pessoal. Se numa profissão “comercial” se ganha algum dinheiro para gastar em aparências e conquistas supérfluas, numa profissão de “função social” se ganha uma imensa satisfação existencial, onde a vida é conjugada ao trabalho e ao resgate da dignidade do espírito humano, esta subtraída nos empregos comercias alienantes do sistema produtivo.
A missão é árdua, sabemos. Há muitas pedras no caminho a serem superadas, dentre elas o desdém hierárquico-social pelo educador, a desvalorização da educação (que não seja a instrução-adestramento técnico científico profissional) no sistema produtivo em todos seus níveis e a própria dificuldade material-financeira da profissão de professor, decorrente desta corrupção sistemática e seus desvalores.
Mas nada se compara ao prazer de atuar em educação com o sentimento de construção de algo intangível materialmente e maior espiritualmente, frente ao desgosto de atravessar tantas e tantas reuniões de negócios com a certeza do tempo perdido na breve vida. Nada se compara à satisfação de poder construir com educação novas possibilidades frente à destruição inerente atual, rumo a um novo ideário que transforme, revolucione e reverta o catastrófico quadro planetário do falacioso modelo de progresso imposto pelo sistema, repetido inquestionadamente e idolatrado por gerações através da História. História, aliás, minha nova casa. Meu novo endereço. Minha nova vida.
Ser professor de Humanidades não se resume a repassar conteúdos e conhecimentos convencionados e ditados. Não é simplesmente instruir, no sentido de ditar verdades pré-definidas. Ser professor é, sobretudo, a arte de desconstruí-las, mostrando que nada se dá como “natural” ou “normal” e que tudo é possível no sentido de se trilhar novos caminhos. Educar não consiste, portanto, no ofício de formatar o pensamento com ditames apropriados por instituições acadêmicas, privadas ou governamentais, mas na tarefa de potencializar a capacidade de questionamento e instigar o pensamento crítico à uma sociedade integrada ao meio natural ao qual pertencemos, e não o contrário em voga.
Educação, assim como a vida, é desta forma uma pergunta, não uma resposta, tendo no professor o suporte à respostas de uma base de conhecimento pré-concebido historicamente à construção de novos saberes através do “livre” pensamento, onde o mesmo jamais esteja restrito à imposições de interesses de poder material e onde nenhuma questão jamais se dê por esgotada.
Ser professor é sobretudo ser um provocador. Contra a inércia, contra o estabelecimento, contra qualquer tipo de ordem proprietária, autoritária, violenta e destrutiva. A vida é o eterno movimento, e só o movimento pode nos libertar.
Nestes tempos de esgotamento geral, que urgem como nunca por mudanças, que estas venham através de uma nova educação e contando sempre conosco, professores - espíritos críticos em movimento.
Saudações à todos dessa luta - professores deste mundo!

(RL)