1 de novembro de 2014

Dinheiro é veneno no Xingu

Por Pirakuman Yawalapiti

Estamos muito preocupados com o futuro do Xingu. A gente não sabe o que vai acontecer daqui a cinquenta anos. De lá para cá, tudo correu bem. Mas a gente lutou muito. Eu sei que temos contato com o branco já há quase cem anos. Até agora, com muita luta, estamos mantendo a cultura. A minha preocupação é o futuro.

Nos, Yawalapiti, toda noite e à tarde a gente reúne os jovens, falando sobre essa preocupação, falando do futuro deles. Como Orlando e meu pai faziam quando eu era pequeno.

Mas, nesse tempo, o que mudou a rapaziada hoje lá no Xingu... é coisa triste.

A principal mudanças na juventude é o dinheiro. Esse é o problema. Dinheiro que veio do emprego. A saúde oficial do Estado entrou ali e empregou os rapazes como auxiliar de enfermagem. A educação entrou ali e empregou os rapazes e as meninas como professores. Os jovens viraram funcionários públicos. Dentro da aldeia. Mas não é emprego para muito tempo. É emprego que dura pouco, e leva o dinheiro pra dentro da aldeia. E o que isso quer dizer? Significa que os que têm emprego dizem que querem ir morar na cidade: “Eu vou sair da aldeia, eu vou morar na cidade. Eu vou arrumar outro emprego”. Um emprego faz com que o jovem queira arrumar, depois, outro emprego. E assim deixa de lado o custume, a cultura.

O governo hoje dá emprego para quem sabe escrever um pouco. Esses jovens recebem emprego para trabalhar na saúde, como agente de saúde, e ajudar a comunidade, ou educação, como falei. Mas o problema é em seguida. Quando termina o contrato de um ano, eles querem sair para a cidade para procurar outro emprego. Isso me preocupa muito. Emprego e dinheiro. E os empregos que els vão encontrar na cidade são sub emprego dos brancos. Eles trabalham para fazendeiros. Trabalham para sojeiro. Já está acontecendo. Ate um rapaz morreu trabalhando a soja, quando despencou soja nele. Um jovem kalapalo. Esse circulo de emprego e dinheiro é um problema muito perigoso.


Vários rapazes de outras etnias estão trabalhando como varredor de rua, peão de fazenda, fazendo tijolo na olaria, fazendo asfalto na estrada junto do DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte), e não querem voltar para a aldeia. Porque acostumaram a pegar dinheiro e não querem mais voltar. O pessoal que mora na cidade não sabe mais história nem a sua cultura. Tudo o que a gente sabe ele não sabe mais. Isso está deixando a gente ficar doente.
Eu, meu irmão, outros caciques, a gente tenta falar e o jovem recusa ouvir.

E é do jeito que o Orlando falava pra mim, é como está acontecendo.

Sobre o dinheiro, especificamente, o Orlando falava assim: “O que vai acabar com vocês é o dinheiro. O dinheiro é a arma mais perigosa que o branco tem. É veneno. O dinheiro faz tudo. O branco vai te comprar, vai fazer vocês virarem inimigo do seu próprio irmão, do seu parente.

Dinheiro vai trazer inveja, ciúme. Vai provocar briga. Tudo isso, o dinheiro”.

Está acontecendo tudo o que o Orlando falava. Daí, com o dinheiro, o jovem esquece a cultura e passa a se preocupar com as coisas do branco.

É uma coisa que eu queria entender. Por que tem que ir atrás do emprego, morar na cidade? Eu não vejo nenhum problema se você está morando na aldeia. Lá, você não tem nada de gastar, como na cidade. De pagar aluguel, pagar água, energia, comida. Não existe esse tipo de coisa na aldeia.

Agente de saúde que foi demitido vai embora para a cidade procurar emprego. E nesse caminho, tem jovens também que fazem a cabeça dos pais, levam os pais para se aposentar. Alugam uma casa na cidade. O velho se sente bem na aldeia. Mas, por influência dos jovens, ele vai pra cidade, e sofre. Falta comida. Falta tudo.

Esse é o problema do dinheiro. Problema que atinge dentro de nós. Só que esse não é o único problema lá no Xingu.

Produção de soja, poluição de água, veneno caindo na água, isso nos atinge iretamente. Atinge o nosso território e atinge a nossa vida. O Xingu está cercado de soja, não tem mais aquela mata. Os rios estão ficando contaminados, e o ar está seco. Cada ano que passa, tem mais queimadas. Agora, qualquer fogo é perigoso, porque as fazendas estão secando o ar. Em 2012, nossa aldeia queimou todinha num grande incêndio, tivemos que reconstruir.

Agora, as fazendas e as cidades chegaram na porta do Xingu. Nossos filhos estão entre esses dois mundos. E a gente precisa lutar.



Fonte: Carta Capital

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